Luis Gustavo Reis*
O desrespeito aos povos indígenas é imperativo no Brasil há mais de 500 anos. Desde o desembarque dos primeiros portugueses, são reiteradas as iniciativas de negar aos indígenas as condições elementares para exercerem plenamente suas dignidades.
O Brasil não estava desocupado antes do catastrófico 22 de abril de 1500. Pelo contrário, povos que desconhecemos ou ignoramos completamente habitavam essas terras: guarulhos, guaianazes, bororos, carijós, caetés, tamoios, tupinambás entre tantos outros, compunham um diversificado universo cultural e cosmogônico.
Os nativos americanos foram chamados pelos europeus de índios. Esse termo foi adotado quando Cristóvão Colombo chegou à América, pois pensou ter encontrado a parte do continente asiático denominado àquela época de Índias.
De largada, os europeus carimbaram seus estranhamentos em relação aos povos que habitavam essas paragens. Revelaram, sobretudo, uma visão etnocêntrica e se empenharam em construir um imaginário onde os indígenas eram descritos como selvagens, primitivos, preguiçosos, sem história, e outras características depreciativas, muitas delas presentes até hoje.
Iniciado o processo de colonização, as guerras e as doenças causadas pelos portugueses reduziram drasticamente os cerca de 5 milhões de seres humanos que viviam por aqui. Já no primeiro século de ocupação portuguesa, centenas de povos desapareceram e junto com eles costumes, crenças, saberes e um universo de leituras do mundo fundamentais para humanidade.
Dados tabulados pelo Instituto Socioambiental (ISA), informam que atualmente existem 252 etnias espalhadas pelo Brasil. Já para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o território abriga 305 etnias. Outro ponto divergente é a quantidade de indígenas que vivem no país. No Censo de 2010, 896.917 entrevistados se declaram indígenas. Pelo levantamento do ISA, o número é de 715.213. Esses povos vivem em reservas ou em terras ainda não demarcadas pela União, distribuídos em diversas cidades do território brasileiro.
Mas para que parte das suas terras sejam demarcadas, homologadas e protegidas da sanha gananciosa dos grandes fazendeiros são necessárias décadas de persistência.
Nesse mês de abril comemora-se 58 anos da criação do Parque Indígena do Xingu, primeiro território legalmente demarcado no Brasil. Esse também é o mês da celebração do Dia do Índio, onde são organizadas atividades muito mais empenhadas em disseminar estereótipos e folclorizar os indígenas, do que preocupadas em contribuir com um debate sério sobre a situação desses povos.
“Dia do índio pra quem?” questiona Ronildo Amandios, guarani mbya da Aldeia Paranapuã, localizada na região de São Vicente, no litoral paulista. Ameaçados de serem despejados por uma criminosa reintegração de posse, os guaranis que ali habitam resistem. Lutam para não serem devorados pelo descaso do poder público, para não sucumbirem e serem relegados a peças de museu ou para não serem lembrados apenas nas narrativas de um passado idílico, forjado nos livros escolares de história.
A pergunta de Ronildo ecoa nos diversos rincões desse país, cuja espoliação sistemática dos povos originários é um crime não somente contra eles, mas contra toda humanidade. Os direitos constitucionais dos indígenas estão expressos num capítulo específico da Constituição de 1988 (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao longo de seu texto, mas são descaradamente desrespeitados.
Diversos fazendeiros, garimpeiros, empresários e políticos de diferentes partidos pouco se importam com a sorte dos indígenas. Cabe à sociedade civil decidir a responsabilidade de perpetuar o modus operandi inaugurado pelos portugueses ou devolver aos povos nativos o que lhes foi roubado há mais de 500 anos: as terras e a dignidade humana.
*Luis Gustavo Reis é professor e editor de livros didáticos
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