Reinaldo Azevedo, o aspirante a corvo que jamais igualará Carlos Lacerda mas vai continuar tentando enquanto não derem um nó (simbólico) no seu bico, afirmou ser “mentira das grossas” o que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ao jornal italiano La Repubblica sobre o escritor Cesare Battisti. Mostrarei adiante que o mentiroso é ele próprio e mais ninguém.
Desde que lhe concederam uma coluna semanal na Folha de S. Paulo, RA está remoendo a frustração de não conseguir superar suas evidentes limitações intelectuais, que lá se tornam muito mais evidentes, fazendo dele um estranho no ninho (ou um cabeça-de-bagre dando bicões na divisão principal).
A ombudsman Suzana Singer (vide aqui) chegou a compará-lo a um rottweiler -“feroz”, ainda por cima. Para ela, RA é uma figura emblemática dos tiroteios ideológicos virtuais e não deveria frequentar o mesmo espaço de colunistas do nível de Jânio de Freitas e Elio Gaspari:
“…No impresso, espera-se mais argumento e menos estridência. Mais substância, menos espuma. Do contrário, a Folha estará apenas fazendo barulho e importando a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet“.
A selvageria não tardou: acreditando que os arranca-rabos favoreceriam seu propósito de afirmação, RA partiu destemperadamente para cima dos antípodas Jânio de Freitas e Vladimir Safatle, tentando forçá-los a polemizarem com ele.
Quebrou a cara: Freitas o enxotou com um piparote e Safatle o ignorou olimpicamente.
Depois de ver sua entrada de leão na Folha fracassar miseravelmente, RA passou a escrever de forma mais contida no veículo impresso, talvez já resignado com sua condição (metaforicamente falando) de um vira-latas do jornalismo. Mas, precisando descarregar a bílis em algum lugar, exacerbou a demagogia selvagem no blogue da Veja, pois aquela sim é sua praia. Se ao lado dos civilizados RA destoa, entre os que estão à direita de Gengis Khan ele é hors concours…
PublicidadeFoi no blogue (vide aqui) que RA citou o Caso Battisti como outra das “impropriedades” do Lula, após qualificar de “tolice monumental” a polêmica declaração atribuída ao petista, de que a defesa do emprego seria mais importante que a inflação. [Lula, aliás, acaba de desmentir o jornal italiano, divulgando inclusive um vídeo da tal entrevista, no qual aparece negando a necessidade de “desemprego para melhorar a inflação” e afirmando querer “melhorar a inflação com pleno emprego”].
Mas, vamos ao que viemos. Eis a diatribe do pinóquio da Marginal:
“…[Lula] disse ao jornal italiano, por exemplo, que manteve no Brasil o terrorista Cesare Battisti porque respeitou uma decisão da Justiça. É mentira! Mentira das grossas!
O Supremo Tribunal Federal considerou ilegal a concessão de refúgio a Battisti. Mas, numa segunda votação, esta sim, estupefaciente, afirmou que caberia ao presidente a última palavra sobre sua permanência no Brasil. E Lula decidiu que ele deveria ficar. Logo, a verdade é esta: ele desrespeitou a Justiça ao manter no país alguém cujo refúgio foi considerado ilegal“.
Em panfletarismo dos grossos, RA reduz um dos processos mais complexos e dramáticos julgados pelo STF a apenas duas votações, quando, na verdade, ocorreram quatro:
- em 09/09/2009, por 5×4, anulou o refúgio concedido pelo ministro Tarso Genro a Battisti, por considerar que os crimes a ele atribuídos haviam sido comuns e não políticos;
- em 18/11/2009, também por 5×4, autorizou a extradição de Battisti;
- no mesmo dia, ainda por 5×4, reafirmou o entendimento que sempre prevalecera nesses casos, qual seja o de que a decisão de extraditar ou não cabe ao presidente da República (o primeiro mandatário, condutor das relações internacionais do País, precisa da autorização do Supremo para extraditar, mas não é obrigado a extraditar sempre que o Supremo der sua autorização);
- em 06/06/2011, por 6×3, ordenou a libertação de Battisti, depois de o presidente Cezar Peluso e o relator Gilmar Mendes o manterem inutilmente preso durante 17 meses, na esperança de conseguirem convencer os outros minutos a impugnarem a decisão de Lula, que havia sido anunciada em 31/12/2010.
Ou seja, o STF meramente reconheceu a prerrogativa presidencial de dar a última palavra, como manda a tradição brasileira.
Por quê? Entre outros motivos, porque o presidente dispõe de informações sigilosas que, trombeteadas num tribunal, têm o potencial de gerar graves crises diplomáticas. Então, faz sentido que não dê conhecimento delas nem mesmo à Justiça, mas será aberrante se as mesmas não forem levadas em conta quando está na balança o destino de um ser humano, já que talvez sirvam para evitar as terríveis injustiças que os ministros do STF podem ser levados a cometer por ignorarem fatos importantes ou por se fiarem em relatórios tendenciosos (e o de Peluso no Caso Battisti, 100% favorável à pretensão italiana, foi um dos piores de toda a história do Supremo…).
Lula, é claro, não desrespeitou Justiça nenhuma, pois o STF não só reconheceu que a ele cabia decidir, como depois, quando mandou libertar Battisti, ratificou na prática sua decisão. Cada Poder agiu estritamente na esfera de sua competência. Mentira das grossas é a deturpação do que realmente aconteceu.
Por último: a anulação do refúgio jamais implicaria a obrigatoriedade da extradição, como tenta fazer crer RA. Ainda havia duas etapas a serem cumpridas: a autorização do STF e a decisão presidencial. Quando o pedido de extradição italiano foi definitivamente negado, Battisti passou a ser residente permanente no Brasil, sendo-lhe então fornecida a respectiva documentação legal.
Consequentemente, é uma falácia sugerir que tenha sido desrespeitada a decisão do STF, de não considerá-lo um refugiado. Ela foi, sim, obedecida; e as decisões seguintes da corte estabeleceram uma nova e diferente situação jurídica.
Mais uma mentira das grossas, portanto.
* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém o blog http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/.
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