Bezerra Couto
Era uma vez uma pobre família que, em busca de uma vida melhor, deixou a distante cidade de Goiamuns para se fixar na província de San Pablo, uma das mais prósperas regiões do reino de Brasilinus. A viagem, feita em caminhão pau-de-arara, durou 13 dias. Durante o percurso, doses modestas de farinha, rapadura e queijo enganaram a fome dos retirantes.
O destino reservava àquela família, especialmente ao sétimo dos seus oito filhos, grandes mudanças. Antes, porém, o garoto, conhecido como Lula, comeu o pão que o diabo amassou com o rabo. Meninote, vendeu amendoim e tapioca nas ruas. Aos 12 anos, tornou-se engraxate. Aos 14, passou a trabalhar em uma tinturaria.
Lula sempre foi ambicioso. Sonhava em ser titular do Corinthians, seu time do coração. Perna-de-pau, jamais sequer chegou perto de realizar esse projeto. Mas, simpático, bom de papo e inteligente, alcançou um feito ainda mais notável: tornou-se rei de Brasilinus.
PublicidadeUm dos marcos iniciais dessa trajetória foi o diploma de torneiro mecânico que Lulinha obteve, aos 18 anos, em uma escola profissionalizante, a Trenai. No batente, anos depois, um acidente lhe roubou o dedo mínimo da mão esquerda. Com o tempo, incentivado por colegas e um dos irmãos, tornou-se o principal líder dos trabalhadores metalúrgicos.
Foi nessa condição que passou a acreditar na união dos operários com camadas rurais e de classe média para transformar Brasilinus. O reino, embora dotado de excelentes recursos naturais, sempre teve como principal característica a existência de uma população em sua grande maioria privada de acesso a direitos básicos, como educação, saúde e alimentação de qualidade. O governo, que deveria cuidar de atender aos mais carentes, era exatamente o território no qual imperavam os mais ricos: banqueiros, grandes capitalistas, políticos e altos funcionários públicos, vários deles corruptos.
Na época, a situação era agravada pelo fato de se revezarem no poder monarcas ditatoriais. Todos militares, eles procuravam abafar qualquer voz discordante. Muitos opositores foram punidos com tortura ou mesmo morte. A imprensa era censurada. Controle severo era exercido sobre o Legislativo e o Judiciário.
Pois foi esse o cenário em que Lula trocou a luta por melhores salários e condições de trabalho por um programa mais amplo de transformação de todo o reino. A defesa da democracia e de regras limpas no exercício da política estava entre os pontos fundamentais desse programa. Ele também incluía o compromisso de dar terra aos camponeses sem um pedaço de chão para plantar e a busca de um modelo econômico que reduzisse os privilégios dos ricos, de modo a possibilitar melhor qualidade de vida aos pobres.
Afastados os militares do poder, o rei passou a ser escolhido pelos súditos. Lula foi candidato ao trono quatro vezes. Na última, estava impaciente. "Só entro se for para ganhar", dizia ele. Fez acordo com Deus e o Diabo para botar a coroa na cabeça. Comprou apoios políticos. Comprometeu-se com os banqueiros e os grandes capitalistas – os cidadãos mais influentes de Brasilinus – a manter a mesma política econômica que o ex-líder metalúrgico combatia. E deu sinal verde para o seu partido, o TP, fazer todas as alianças (financeiras ou políticas) necessárias para garantir que fosse aclamado rei.
Quando o ex-retirante deu lugar ao Rei Lulão, Brasilinus fez festa. Poucos sabiam dos acordos secretos feitos pelo imperador. A primeira a perceber que algo estava errado foi a classe média. Ela, aos poucos, viu as promessas de mudança social cederem a vez aos juros altos, que enriqueceram ainda mais os bancos e os milionários, ao aumento da dívida do governo, à mesmice administrativa e a um ambiente econômico em tudo diferente do "espetáculo do crescimento" prometido por Rei Lulão.
Vários aliados e alguns dos seus mais importantes colaboradores envolvem-se em escândalos de corrupção, que se acumulam durante o novo reinado. Os antigos manda-chuvas do reino aproveitam. De público, fingem espanto. Nos bastidores, comemoram: "Lulão é igual a nós". De fato, a história se repete: minguam os recursos para a reforma agrária, a educação e os investimentos sociais; a roubalheira campeia; e murcham as esperanças de um reino feliz.
Bafejado pela fortuna, Lulão mudou a si mesmo, em vez de mudar o reino. É verdade que tomou iniciativas com impacto positivo. Sobretudo, o programa Família na Bolsa, que garante bem-vindo dinheirinho extra a milhões de brasilinusenses pobres. Mas é inegável para quem conhece pormenores da história: o poder subiu-lhe à juba, digo, à cabeça.
Chegou a encomendar ao Banco Central de Brasilinus que imprimisse cédulas de realitos (nome da moeda local) com sua brava esfinge, fato aqui revelado em primeira mão. Desesperados diretores e funcionários do BC tiveram de fazer uma extenuante pesquisa em outros reinos para demonstrar que passou o tempo desse tipo de personalismo barato.
Rei Lulão julga-se agora acima do bem e do mal. Jamais deu explicações minimamente convincentes sobre a lama em que seu governo se enfiou. Com a conivência dos ricos e a solidariedade dos miseráveis, muitos gratos pelos tostões repassados por meio do Família na Bolsa, ele berra: "Vão ter que me engolir". Quer prolongar seu reinado por mais quatro anos.
Difícil saber como se comportarão os imprevisíveis, e com freqüência cínicos, habitantes de Brasilinus. Mas os seres humanos são mesmo complicados. Na floresta, os animais já decidiram. Lulão não é mais seu rei.