Padre Ton*
A demora do Congresso Nacional em regulamentar os arts. 176 e 231 da Constituição Federal, referente ao aproveitamento das riquezas minerais em terras indígenas, tem estimulado o surgimento de conflitos nessas áreas. Somente nos últimos cinco anos foram desativados 81 garimpos ilegais pela Política Federal no sul do Pará, norte do Mato Grosso, Amazonas, Rondônia e Roraima.
Estamos presenciando uma nova corrida do ouro na Amazônia, ainda mais intensa que as anteriores. Estima-se que mais de 400 mil garimpeiros estão na ativa novamente, a grande maioria atuando ilegalmente em áreas controladas pelo Estado, como unidades de conservação, terras indígenas e terras públicas. Nas terras indígenas, na maioria dos casos, os garimpeiros ilegais atuam de mãos dadas com lideranças indígenas.
Uma das causas da retomada da atividade ilegal na Região Amazônica é a cotação do ouro e do diamante no mercado internacional que, somente este ano, provocou um aumento de 12% aqui no Brasil, motivado pelo aumento da procura por investimentos mais seguros em decorrência da crise econômica atual.
O aumento dos preços das commodities minerais, no entanto, provoca efeitos indesejados no nosso país, como aumento da violência entre garimpeiros e indígenas, evasão de divisas e sonegação de imposto, principalmente, devido ao atraso na falta de regulamentação do setor.
Apenas para relembrar, a eclosão do conflito armado na terra indígena Roosevelt, onde está situado o maior garimpo ilegal de diamantes do mundo atualmente, resultou na morte de 29 garimpeiros em 2004. Apesar disso e da presença ostensiva das forças de segurança no local, o garimpo jamais foi paralisado. Informações reservadas da Abin garantem que sai da terra indígena Roosevelt mensalmente o equivalente a cerca de 100 milhões de reais em diamantes, que são contrabandeados para o mercado internacional.
O atraso do país em termos de regulamentação da Constituição Federal é evidente. O PL 1.610, de 1996, que regulamenta os arts. 176 e 231 da CF-88 para permitir o aproveitamento dos recursos minerais localizados em terras indígenas, e que poderiam evitar esses conflitos e os crimes decorrentes das atividades ilegais, está na Câmara dos Deputados há 16 anos a espera de votação.
Em grande parte, essa demora está associada à negação dos direitos indígenas gerais inscritos na Constituição pelos grupos de interesse hegemônicos instalados no Congresso Nacional, destacadamente a chamada bancada ruralista, que além de travar a tramitação de qualquer projeto de interesse dos indígenas, exige do governo federal uma postura hostil a essas populações. Exemplo disso, é a recém-publicada portaria 303, da AGU, que tenta reduzir a condição dos indígenas a meros ocupantes de suas terra com direito apenas à caça e à pesca.
Depois de tantos anos de espera, a comissão especial constituída para dar parecer ao PL 1.610, à qual tenho a honra de presidir, está se encaminhando para a conclusão de seus trabalhos na expectativa de oferecer à população brasileira uma legislação moderna e eficiente, que preserve os direitos indígenas por um lado e por outro, permita o aproveitamento dos recursos minerais presentes em suas terras em benefício deles próprios e de toda a sociedade. Entendo que é melhor ter uma regulamentação, ainda que não seja perfeita, que não ter nada. A ausência de marco regulatório neste caso, além de representar grave violação à Constituição Federal, permite que grupos econômicos organizados atuem à margem da lei, cooptando os indígenas e levando para fora do País nossas riquezas sem nenhuma contrapartida para os brasileiros.
No decorrer dos quase dois anos, a Comissão procurou ouvir um maior número possível de atores interessados em debater o assunto. Entre os convidados para dar contribuições, estão especialistas em mineração, entidades não governamentais de apoio aos índios, Ministério Público e órgãos governamentais responsáveis pelas políticas de mineração e indigenista no País. Os parlamentares se deslocaram a São Gabriel da Cachoeira, no extremo oeste amazonense e Espigão d’Oeste, em Rondônia, onde foram realizados seminários públicos para propiciar que um número maior de indígenas pudesse participar e apresentar suas contribuições. Foram realizadas missões oficiais ao Equador, Canadá e Austrália com a finalidade de conhecer a legislação existente nesses países para o setor da mineração em terras ocupadas por populações originárias.
Lamentavelmente, o Governo Federal e particularmente a FUNAI, como órgão oficial responsável pela proteção dos povos indígenas, em uma atitude de descaso se recusou em participar das discussões, apostando no naufrágio dos trabalhos da Comissão. Os compromissos assumidos pela presidenta atual, Srª Marta Azevedo e pelo ex-presidente Márcio Meira, de designar um consultor para acompanhar os trabalhos dos parlamentares, contribuir na mobilização das comunidades indígenas para participar dos eventos de consulta e enviar contribuições para serem inseridas no relatório foram sistematicamente descumpridos.
A regulamentação de artigos da Constituição é dever do Congresso Nacional e precisa ser feita mesmo quando contraria a vontade do Poder Executivo. O que está em jogo neste caso é o direito dos povos indígenas e da população brasileira de usufruir dos recursos naturais legalmente, de forma sustentável e com distribuição justa dos benefícios. Protelar o assunto só pode interessar aos que sempre se beneficiaram da ausência de regulamentação para se apropriar ilegalmente dos bens públicos e violar direitos conquistados pelas populações tradicionais.
*Deputado Federal (PT/RO) e Presidente da comissão especial destinada a proferir parecer ao PL 1.610, de 1996, que trata da exploração mineral em terras indígenas, na Câmara dos Deputados