Na sua coluna de ontem (25), Sylvio Costa alertava para o erro que Dilma Rousseff cometeria de não aproveitar sua popularidade inicial para formular uma agenda de propostas para o Congresso. E erraria mais ainda se não incluísse nessa agenda a reforma política. De fato, Dilma, com esse estilo minimalista que tem adotado até agora de governar, não deu qualquer sinal de que criará essa agenda, e de que virá do Executivo alguma proposta fechada de reforma política, apesar da ênfase que ela deu ao tema no seu discurso de posse.
Se Dilma, de fato, vier a deixar que a reforma política eventualmente nasça no próprio Congresso, nós todos vamos novamente ficar chupando o dedo. Ainda que todos os deputados e senadores concordem que o atual sistema tem várias falhas que precisam ser corrigidas, ainda que concordem que esse tema é prioritário, o Congresso não tomará nunca a iniciativa de fazer a reforma política. Porque o Congresso não vai correr o risco de alterar regras que conhece, que domina e com as quais vem se reelegendo. Quem se sente prejudicado pelas atuais normas do sistema político-eleitoral não foi eleito. Não tem força, portanto, para propor e votar mudanças agora.
Mas isso não significa, no entanto, que a discussão da reforma política, por conta dessa conjugação de falta de iniciativa do Executivo com a falta de vontade do Legislativo, já nasça morta. Existe um outro ator que cada dia aparece mais ativo na cena política. É a sociedade civil organizada. Embora ninguém considere que isso seja fácil, exemplos recentes mostram que a sociedade pode criar uma estratégia capaz de pressionar o Congresso e fazer com que ele aprove, pela pressão, mudanças que inicialmente não gostaria de fazer.
O sucesso de dois projetos de iniciativa popular são a prova disso. A vitória da sociedade ao conseguir aprovar, primeiro, a lei que pune a compra de votos e, depois, a Lei da Ficha Limpa, anima os autores das duas iniciativas a, agora, fazer o mesmo com a reforma política. Apoiadas, cada uma, por mais de um milhão de assinaturas, essas leis têm provocado uma revolução positiva na prática política brasileira.
De saída, as leis de iniciativa popular ultrapassam aquela ideia brasileira de “lei que não pega”. Como já surgem com expressivo apoio da sociedade, elas dão certo. Já são centenas os políticos punidos pela Lei da Compra de Votos. E, mesmo que alguns, como Paulo Maluf, tenham escapado, a Lei da Ficha Limpa já produziu vários efeitos, tirando da disputa políticos processados e ajudando a balizar o voto de muitos eleitores, que já se recusaram a votar em quem não se encaixava nos critérios da ficha limpa.
As entidades que fazem parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) mobilizam-se para fazer chegar ao Congresso agora um projeto de iniciativa popular propondo uma reforma política. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, deu declarações recentes sobre isso. Se chegar com vasto apoio, como no caso da Ficha Limpa, o projeto quebra todas as resistências que possam haver no Congresso e vira realidade.
Diretor do MCCE, o advogado Carlos Moura concorda que o tema da reforma política talvez seja mais árido e difícil de agregar que questões que envolvem a moralidade pública, como a Lei da Ficha Limpa. Mas esse é o desafio que o movimento já resolveu enfrentar: mostrar à sociedade os prejuízos que existem na manutenção de um sistema que hoje distorce a representação política.
Segundo Moura, o que será o projeto de reforma política que o movimento defenderá é algo que ainda está sendo construído. Mas já existem alguns consensos. O projeto defenderá, por exemplo, o financiamento público exclusivo para as campanhas. Sem qualquer possibilidade de dinheiro privado e separando esse recurso do dinheiro do fundo partidário (a verba que os partidos recebem do fundo não poderia ser usada na eleição).
Defenderá também a lista fechada para a eleição dos deputados federais. Ou seja, o eleitor votará em um partido, e não mais em um nome, e a ordem dos eleitos será a ordem dos nomes na lista. Haverá, porém, um processo interno em cada partido para evitar que a escolha da lista seja feita exclusivamente pela direção partidária. A ordem na lista será escolhida numa prévia pelos filiados em cada partido. Isso impedirá que alguém que internamente seja adversário do grupo que está na direção partidária fique impedido de concorrer.
Por enquanto, de acordo com Carlos Moura, esses são os dois pontos consensuais. Outros estão sendo discutidos, que envolvem mesmo processos mais democráticos em outros poderes, como, por exemplo, a forma de escolha dos ministros do Supremo.
Tomara que o MCCE encontre o consenso para produzir de fato o projeto de reforma política que o país precisa. Cada dia que passa, os meios modernos de comunicação, a internet, tornam mais possível a participação direta da sociedade na solução dos seus problemas. É o que dizia Raul Seixas: “Um sonho que se sonha só, é só um sonho. Mas um sonho que se sonha junto, é realidade”.
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Saio de férias a partir da próxima semana. Volto no início de março. Espero que até lá a presidenta Dilma tenha conhecido aparar as arestazinhas com sua base política que a atrapalham neste início de governo. A todos vocês que sempre me honram com a leitura, minha gratidão e meu abraço. Até a volta!