José Rodrigues Filho *
Um dos acontecimentos políticos mais importantes no ano de 2006 para a democracia brasileira foi a decisão justa, legal e democrática do Supremo Tribunal Federal (STF) de, nos últimos dias do ano, declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que instituíram a chamada "cláusula de barreira".
Essa imoralidade criada pelo nosso Parlamento resultou em duas ações diretas de inconstitucionalidade, ajuizadas, respectivamente, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pelo Partido Socialista Cristão (PSC). A chamada cláusula de barreira, que seria aplicada a partir deste ano, limitava o direito de funcionamento de pequenos partidos, que não teriam acesso ao horário gratuito de rádio e televisão e à distribuição dos recursos do fundo partidário.
Criada pela elite política dominante, a cláusula de barreira visava intensificar a cartelização dos grandes partidos, sem o ônus de aluguéis de outros partidos menores ou nanicos. Contudo, o problema de nossa democracia não é o grande número de partidos, que, muitas vezes, são alugados pelos grandes partidos. A "mcdonização" dos pequenos partidos ou franquias partidárias, à moda fast food do McDonald’s, é criada pelos cartéis ou grandes partidos (leia mais).
Nas democracias tradicionais, é grande o número de partidos políticos. Vejamos os pequenos países escandinavos e a Inglaterra, onde existem dezenas de partidos. Uma reforma política não deve só permitir um grande número de partidos, mas de candidaturas avulsas, fora dos partidos políticos, como acontece em alguns países. Uma das mudanças prementes para moralizar a vida política no Brasil é a adoção da fidelidade partidária, o voto distrital e a eliminação do instrumento antidemocrático da reeleição.
A literatura demonstra que os partidos políticos estão em declínio e numa encruzilhada em quase todo o mundo por terem se transformado em verdadeiras máquinas eleitorais. Ao se preocuparem apenas com eleições, em busca do poder, os partidos políticos dificilmente sobreviverão se não voltarem a se conectar com os cidadãos, atendendo às decisões de seus filiados e não de lideranças instantâneas. Pelo fato de não serem responsáveis perante seus filiados, o que temos hoje são filiações partidárias instantâneas, lideranças instantâneas e uma democracia instantânea.
A democracia brasileira se limita basicamente ao ato de votar. Isso não é democracia, mas um cenário falso de democracia, utilizado apenas durante o período de eleições. Necessitamos de uma democracia entre as eleições. O povo não quer governar, mas ser ouvido sobre as grandes decisões deste país, muitas delas tomadas por pequenos grupos, por trás de portas fechadas. O nosso argumento é no sentido de que os partidos políticos devam ser revigorados, desenvolvendo mecanismos de participação e utilizando a democracia entre as eleições e não apenas durante as eleições.
No cenário falso de nossa democracia, durante as eleições passadas, os nossos deputados e senadores nunca insinuaram que iriam aumentar em quase 100% seus próprios salários. Passadas as eleições, poucos dias depois, por meio de um acordo de líderes, é tomada a decisão de aumento salarial. A revolta da sociedade foi uma demonstração do interesse de ser ouvida e participar das grandes decisões deste país. Novamente, o STF atendeu ao clamor da sociedade e outra imoralidade foi desfeita.
Ao que tudo indica, a justificativa de aumento salarial dos parlamentares é o fato de que seus salários são bem inferiores aos praticados no âmbito do poder Judiciário. Nesse sentido, o Parlamento deveria usar a sensatez e discutir a paridade ou isonomia de salários entre os três poderes e não apenas de um em relação ao outro (Judiciário e Legislativo). Vale mencionar que, no momento, os salários dos nossos parlamentares já são relativamente elevados.
A Espanha, por exemplo, que registra um Produto Interno Bruto (PIB) aproximado ao do Brasil, paga aos seus parlamentares um pouco mais de metade do que ganham os parlamentares brasileiros. Em resumo, a atual remuneração de nossos parlamentares é superior à de parlamentares de alguns países desenvolvidos. Com o aumento pretendido, talvez tivéssemos os parlamentares mais bem pagos no globo terrestre, enquanto o grosso da população recebe um salário mínimo.
Se a reforma política de que tanto se fala não privilegiar a participação cidadã – a democracia entre as eleições, a ser promovida pelos partidos políticos – vai ser muito difícil se manter o atual status quo por um longo tempo.
Lamentavelmente, alguns cínicos, com o intuito de manter o status quo, de quando em vez utilizam a mídia dominante para dizer que as instituições democráticas estão sólidas no Brasil. Sólidas diante dos absurdos que acabamos de descrever, além de muitos outros? A solidez democrática de nossas instituições depende da confiança que se tem nelas. Com os partidos políticos em declínio, é difícil se pensar em solidez democrática.
A menos que os brasileiros desejem um sistema democrático radicalmente diferente do que temos hoje, precisamos revigorar os nossos partidos políticos, que poderão continuar sendo a pedra fundamental do sistema democrático. Precisamos de mudanças similares às que vêm sendo propostas em outros países, que tentam aprimorar a democracia e a cidadania.
O Canadá, por exemplo, tenta uma reforma partidária e eleitoral, já em discussão pela sociedade, havendo manifestações de se abolir inclusive o Senado daquele país. No Brasil, a redução do número de parlamentares tanto no Congresso Nacional quanto nas câmaras e assembléias estaduais e municipais já foi proposta pelo senador Álvaro Dias há muito tempo. Isso é um bom sinal de mudanças que, embora tímidas, devem ser apoiadas pelos partidos políticos.
Portanto, para ampliar a democracia neste país, é necessário e urgente implementar a reforma política, a reforma parlamentar, a reforma eleitoral e o engajamento dos cidadãos. Ações de revigoramento dos partidos pol&