Paulo Henrique Zarat
Um dos temas que serão enfrentados pelo novo Congresso - e pelo futuro presidente da República – é a revisão da legislação trabalhista e sindical. Para tratar do tema, ouvimos Lelio Bentes Corrêa, que, aos 41 anos, é o ministro mais novo do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Egresso do Ministério Público do Trabalho, foi o único brasileiro escolhido para integrar uma comissão de 21 peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que monitora a aplicação das normas trabalhistas nos países membros.
Lelio diz que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é "um documento atual" no que se refere aos direitos individuais, mas admite que "há uma defasagem sob a ótica dos diretos coletivos". Na sua opinião, a tarefa prioritária é mudar a estrutura sindical, de modo a desatrelar os sindicatos do Estado e dotá-los de instrumentos para funcionarem melhor, como uma regulamentação mais liberal do direito de greve, pluralidade sindical e a possibilidade de o sindicato substituir os trabalhadores na defesa judicial de direitos individuais.
O ministro defende que a modernização das relações trabalhistas não deve estar associada à supressão dos direitos dos empregados e sim ao fortalecimento e legitimação dos sindicatos. Para ele, a principal causa do alto índice de trabalhadores informais - que no Brasil atinge 60% da mão-de-obra – é o excesso de impostos incidentes sobre a produção. "É preciso verificar se esses impostos que são pagos pelas empresas são proporcionais ao que se produz", afirma.
Formado em Direito pela Universidade de Brasília e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex, Inglaterra, Lelio Bentes é ministro do TST desde 2003.
Veja a entrevista que ele deu ao Congresso em Foco.
Muito se fala em flexibilização das relações trabalhistas. Até onde o afrouxamento dessas regras pode ajudar os trabalhadores, com a geração de empregos, e quando os empregados começam a perder direitos conquistados?
Essa idéia de que a flexibilização favorece o emprego já foi desmentida no próprio berço do movimento de flexibilização, que é a Inglaterra. Em 2001, num episódio em que a General Motors decidia onde fecharia uma de suas fábricas, se na Inglaterra ou na Alemanha, a decisão esperada era o fechamento da fábrica da Alemanha porque as condições de trabalho dos ingleses eram muito mais flexíveis. No entanto, a decisão foi exatamente oposta: a fábrica fechada foi a da Inglaterra. Primeiro, porque os trabalhadores da Alemanha eram mais produtivos. Segundo, porque, devido à legislação protecionista, era tão caro dispensar o empregado alemão que fazia mais sentido fechar a fábrica na Inglaterra. Esse exemplo evidencia que o fator fundamental para manutenção e geração de empregos, que é o que o Brasil precisa, é a existência de uma economia forte com um bom nível de produtividade e uma mão de obra qualificada. A simples eliminação de direitos dos empregados não conduz necessariamente à manutenção do emprego. É muito interessante que essa discussão sobre a flexibilização desvia a atenção de um aspecto importante de que ressente a iniciativa empresarial no país, que é a carga tributária. Esta, sim, impede a estruturação de uma atividade formal. Num país como o Brasil em que encontramos a grande maioria da mão-de-obra alocada no setor informal e, por isso, já à margem de qualquer proteção legal, pensar em flexibilizar essa minoria que tem garantias de natureza trabalhista me parece um caminho equivocado.
O alto índice de empregos informais, que segundo o economista da USP José Pastore chega a 60% da mão-de-obra, ou seja, quase 50 milhões de brasileiros, não é conseqüência do excesso de encargos trabalhistas impostos aos empresários na hora de contratar um empregado?
Veja, nós precisamos separar a questão dos direitos trabalhistas e dos encargos tributários. Não é a contribuição para o FGTS, não é o direito às férias com acréscimo de um terço que encarece a mão-de-obra. A quantidade de impostos que são pagos pelos empresários e a incidência sobreposta de tributos é que dificulta a própria atividade empresarial. Hoje, nós temos recursos tecnológicos para que a mão-de-obra, com o aumento da produtividade, compense amplamente as garantias trabalhistas. Além disso, na medida em que se admite a idéia de que trabalhando na informalidade se estaria desonerando o empregador, não se pode perder de vista que a médio e longo prazo o ônus social é muito grande, porque são trabalhadores que não vão se aposentar e que não têm cobertura numa hipótese de acidente ou doença grave. Então, a meu ver, o caminho deveria ser no sentido de estabelecer uma discussão quanto à carga tributária propriamente dita. É preciso verificar se esses impostos que são pagos pelas empresas são proporcionais ao que se produz.
Então o senhor acredita que a causa da grande informalidade dos empregos no Brasil é uma tributação alta da produção e não dos direitos e garantias trabalhistas?
Essa carga tributária alta desestimula a formalização de qualquer negócio. A nossa legislação tributária teve alguns avanços no sentido de simplificar a formalização de atividades de menor porte, como é o caso do Simples. Ainda assim, é muito complicado registrar uma empresa no país. Dessa forma, a informalidade acaba se tornando mais atrativa para o empresário. Mas, eu insisto, esse esforço no sentido de tornar atrativa a atividade empresarial não deve correr à conta do trabalhador. Deve haver um estudo dessa relação entre o empresário e o Estado para se chegar a uma carga tributária mais adequada e melhor distribuída. Não há dúvidas de que existem grandes negócios no país de altíssima rentabilidade para os quais a carga tributária não é tão pesada, como é o caso das multinacionais, dos bancos, que têm apresentado lucros da ordem de 500%, das grandes fortunas, que também não são taxadas, enfim, todo esse aspecto merecia um estudo. A idéia de tirar do pobre para viabilizar a atividade de quem tem posses me parece um contra-senso.
Existem empresários que consideram os encargos trabalhistas como um entrave ao crescimento econômico do país, tanto quanto a taxa de juros. O senhor concorda com esse pensamento?
Não concordo. Estou absolutamente convencido de que o custo da mão-de-obra é módico em face da nossa capacidade produtiva. Agora, o que é preciso incrementar é exatamente essa capacidade produtiva. Nós temos que investir em qualificação profissional. Um trabalhador que desfrute de um mínimo de garantias valoriza mais a sua empresa, não há menor sombra de dúvidas quanto a isso. A vantagem da rotatividade da mão-de-obra se torna questionável já que vivemos num ambiente de relativa estabilidade econômica. Então, é necessário investir no trabalhador e na relação de valorização desse trabalhador para que ele valorize também a empresa. Não vejo, realmente, essa rigidez a que se referem os críticos da legislação trabalhista, como um entrave ao desenvolvimento econômico. Há outros aspectos muito mais influentes que impedem um maior crescimento do que a legislação trabalhista. A alta taxa de juros que temos desestimula investimentos na produção e na modernização dos meios de produção, resultando em queda de produtividade.
Há diferença no impacto orçamentário das empresas quando uma pequena loja contrata um vendedor e uma grande montadora de veículos admite um metalúrgico. Hoje, quais são as vantagens que o pequeno empresário tem que as grandes empresas não têm?
Ninguém contrata um empregado que não esteja precisando. Nenhum empresário cometeria esse desatino. Então, a contratação de qualquer empresário por qualquer empresa se justifica em razão de uma meta que se pretende atingir. A lógica é: eu contrato um vendedor porque ele vai vender meu produto, eu vou obter lucro e desse lucro eu vou tirar a parcela para fazer frente ao salário e aos encargos trabalhistas. Nosso piso salarial de hoje, que é R$ 350, sob a ótica de investimento, e os encargos trabalhistas que aí incidem também não são esse exagero que se costuma veicular. O impacto no orçamento de uma empresa pela admissão de um trabalhador é passível de absorção em face dessa perspectiva de se ter um retorno com a contratação desse empregado e, por isso, a razão de insistir tanto na questão da produtividade. Se tenho uma produtividade incrementada, preciso de menos empregados para obter o mesmo resultado. Agora, de fato, há certas condições negociadas coletivamente acima da lei que, algumas vezes, trazem dificuldades. Imagine uma norma coletiva em que se assegure uma estabilidade de seis ou oito meses. Isso pode ser perfeitamente absorvível por determinado tipo de empresa e ser absolutamente incompatível com a situação de outras. Nesses casos, o que se percebe, muitas vezes, é uma sub-representação dos interesses desses empresários de menor porte no processo de negociação. Isso é um aspecto que precisa ser discutido e ser examinado na perspectiva de uma reforma trabalhista e sindical.
Falando agora em flexibilização, não no sentido de suprimir direitos e garantias, mas com a intenção de dar maior autonomia às negociações entre patrões e empregados. Por exemplo, não seria razoável trabalhador poder optar por quem vai pagar sua aposentadoria ou assistência médica, sem ser obrigado a contribuir para o INSS?
O sistema da previdência social no Brasil se baseia num princípio de solidariedade social. Essa possibilidade de sair do sistema geral e passar a pagar uma previdência privada quebraria esse pilar da previdência pública. Mas concordo, sim, que há outras vantagens e direitos que a própria lei admite estarem em disponibilidade para negociação. Seria desejável um maior estímulo à negociação direta entre as partes no nosso país? Ninguém negaria isso. Acontece que, para se chegar a esse estágio de desenvolvimento das relações trabalhistas, há um pressuposto indispensável, que é o fortalecimento e a recuperação da legitimidade das atividades sindicais. Porque uma coisa é você dar maior ênfase à negociação quando os sindicatos detêm um grau de legitimidade inquestionável. Outra coisa bem distinta é estarmos num sistema em que há uma pulverização de sindicatos, onde, muitos deles, atuam sem um mínimo de representatividade já que sobrevivem às custas de um imposto sindical repassado pelo governo. Nós não temos uma disposição legal que interprete com clareza o princípio da negociação de boa-fé que está consagrado nas normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É indispensável, num processo de negociação, que as partes negociem com transparência e honestidade. Nós ainda temos uma legislação que trata a questão da greve mais como caso de polícia do que como um recurso válido no processo de negociação entre duas categorias.
Para se chegar ao fortalecimento e à legitimação dos sindicatos, deveria ser instituída a contribuição facultativa por parte dos trabalhadores e um sindicato desvinculado do Estado?
Sim. Os sindicatos devem estar totalmente desvinculados do Estado, inclusive financeiramente. Se a entidade sindical recebe o dinheiro do Estado que é descontado do trabalhador, passa a ter um grau de dependência maior do Estado do que do próprio associado. Isso é uma subversão total da idéia da liberdade dos sindicatos que deve ser resultante da aspiração da manifestação livre de vontade dos seus filiados. Ou seja, precisamos consagrar a liberdade sindical, inclusive, no que diz respeito à pluralidade sindical. Quando me refiro à pluralidade, não significa que devemos ter ainda mais sindicatos. Mas à necessidade de se reconhecer que só aos trabalhadores, e só a eles, cabe a decisão de quantos sindicatos devem existir em cada categoria profissional e base territorial.
Não seria necessário promover a educação do trabalhador no sentido de mostrar a ele que o sindicato é a instância à qual se deve recorrer para garantir e pleitear direitos?
Sem sombra de dúvidas. Antes de ingressar no TST, atuei no Ministério Público do Trabalho e recebíamos muitas denúncias de grupos de trabalhadores inconformados com atuação dos dirigentes sindicais que pediam providências, quando na verdade a providência mais importante a ser tomada cabe aos trabalhadores, que é o voto. Mas criou-se uma cultura de que a atuação sindical é coisa para sindicalista e se dissociou a figura do sindicalista da figura do trabalhador, o que é fatal.
Por que isso aconteceu?
Um dos fatores cruciais para ocorrência desse fato é exatamente essa estrutura sindical atrelada ao Estado, que permite o surgimento de um grupo de sindicalistas que se distancia cada vez mais das bases. Para se ter uma idéia, ao evoluir na pirâmide hierárquica das entidades sindicais, o sindicalista quase não tem contato com os trabalhadores, salvo raras exceções. Ele se torna um manda-chuva. O cargo é exercido por ele na confederação, em Brasília, independentemente de onde tenha começado a sua vida profissional. Em seguida, passa a circular nas esferas políticas. E, porque sua entidade é mantida com recursos que vêm do Estado, o associado se torna cada vez mais irrelevante para o sindicato.
Quais as principais diferenças e semelhanças nas legislações trabalhistas entre Brasil, Estados Unidos e os países europeus mais desenvolvidos?
Grosso modo, nos EUA, tem-se efetivamente um sistema muito mais regido pela negociação direta entre as partes do que pela lei. O que não significa dizer que não haja lei. Há sim. Isso é da cultura dos países de origem anglo-saxônica, em oposição aos países de influência romano-germânica como é o Brasil. Os países anglo-saxões optam por restringir as normas escritas ao mínimo e deixar que o entendimento entre as partes regule os aspectos da vida social. Nesses países, um contrato verbal pode ter tanto efeito quanto um documento firmado. Mas, ao mesmo tempo, as penalidades para a conduta de má-fé são muito severas. E, obviamente, existe uma ação coercitiva quanto às tentativas de utilização draconiana dessas condições ajustadas, as chamadas cláusulas leoninas dos contratos. Nos EUA, o trabalhador e a empresa negociam muito mais diretamente. Não existe uma organização preestabelecida de entidades por categoria profissional e o empregado pode se filiar ao sindicato que bem entender ou não se associar. O Estado americano exerce um papel regulador no sentido de não permitir que as partes extrapolem os limites do razoável. Trabalhadores e empresários podem negociar tudo. Só não podem se valer daquilo que foi acordado para alcançar uma finalidade indevida. Por exemplo, uma empresa pode demitir um empregado? Pode, mas não é permitido fazer isso com base em um preconceito de etnia ou de orientação sexual. Já na Europa, uma característica dos países mais industrializados em relação à legislação trabalhista brasileira, é a existência de uma rede de proteção social que para nós, brasileiros, é inimaginável nesse momento. Na Inglaterra, o trabalhador ou uma determinada categoria profissional pode abrir mão deste ou daquele direito com vistas não à manutenção do emprego, mas da atividade empresarial. O dado que, muitas vezes, não nos é trazido é o de que na Inglaterra é comum os trabalhadores serem colocados em disponibilidade. Dessa forma, eles deixam de receber o salário da empresa, mas passam a fazer jus a um benefício pago pelo Estado de até 80% do valor do seu salário. Aqui no Brasil, quando ocorre redução de mão-de-obra, é desemprego. No dia seguinte, o trabalhador não tem como prover a sua família. O cidadão britânico tem direito ao auxílio mensal pago pelo Estado correspondente ao número de filhos em idade escolar. As famílias de baixa renda têm ainda o direito a um auxílio para pagamento de aluguel e a taxa de aquecimento, porque a Inglaterra é um país com inverno rigoroso. E, no caso desses empregados que foram colocados em disponibilidade, assim que a empresa se recuperar economicamente, deverá contratar prioritariamente esses trabalhadores.
Para qual lado a legislação trabalhista brasileira pende mais, EUA ou Europa?
Se fôssemos implantar um sistema de garantia social como os dos países industrializados europeus no Brasil, o custo seria imenso. Eu não defendo que esse sistema seja importado simplesmente O que quero dizer é que falar em flexibilização das leis trabalhistas para um trabalhador inglês ou norte-americano é muito diferente do que se falar em flexibilização para o trabalhador brasileiro. Aqui no Brasil, quando se fala em redução e corte de empregados, é demissão. Muitas vezes, sem o pagamento dos direitos que acabam tendo que ser buscados na Justiça trabalhista. É possível que se alcance uma sintonia fina entre trabalhador e empregador, considerados os diversos ramos de atividades e as diferenças de tamanho das empresas. Agora, isso não acontece da noite para o dia. Não é abolindo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e deixando que as partes se entendam diretamente, porque aí nós estaríamos promovendo o encontro do lobo com o cordeiro. Para mim, está claro que a solução não está em reduzir os direitos dos trabalhadores do Brasil, porque assim nós estaríamos aumentando a pressão para o fundo. Nós temos é que resolver a questão dos juros altos e da carga tributária para que a economia possa florescer e para que nós tenhamos condições de trazer essa massa que está na informalidade para o mercado formal.
Toda essa seguridade social dos países europeus a que o senhor se referiu é obtida por meio de uma taxação muito alta dos salários dos trabalhadores. A diferença de lá para o Brasil é que eles têm um retorno do Estado perceptível enquanto que aqui…
A carga tributária paga pelo cidadão holandês é praticamente a mesma que a do brasileiro, que está por volta de 35%, se não for maior. Mas os benefícios para o contribuinte são visíveis. Você não vê cidadão holandês reclamando da carga tributária. No Brasil, temos uma tributação alta e um retorno dos serviços estatais pequeno e, além disso, quando se logra algum retorno em termos de políticas públicas, temos um hiato que exclui milhões de cidadãos que são justamente os mais necessitados. Se você for verificar, a classe média tem muito mais acesso a políticas públicas e a serviços essenciais do que aquela pessoa que realmente é carente. Por exemplo, quem estuda em universidade pública são os que freqüentaram escolas particulares, ou seja, quem pode pagar por educação. O sistema de ensino, não diria só no Brasil, mas na América Latina como um todo, está montado de cabeça para baixo. Da forma como está, já se elimina a concorrência no começo da vida, uma vez que o Brasil tem um ensino universitário de qualidade e um ensino básico precário.
A CLT completou em 2006 63 anos. O senhor acha que ela está ultrapassada?
Falando historicamente, a CLT é um monumento. Ela foi feita num período em que a classe trabalhadora brasileira começava a se formar. Ela foi sendo atualizada com o passar do tempo. Nós não podemos pensar na CLT como algo da década de 1940, senão como um documento que veio sendo adaptado e recebendo forte influência da jurisprudência dos tribunais do trabalho. Sob a ótica dos direitos individuais, a CLT é um documento atual. Agora, quanto aos direitos coletivos, temos uma grande defasagem. Quando a CLT foi elaborada, nós tínhamos uma outra realidade no país, com um mercado ainda em formação, uma economia quase que exclusivamente agrícola e, isso não pode ser ignorado, um governo ditatorial ao qual não interessava permitir maior liberdade na articulação das forças sociais. Tudo tinha que estar sobre o controle do Estado e aí me parece que nós temos que cravar a primeira cunha. É por aí, a meu ver, que o avanço virá. Por uma reforma profunda da estrutura sindical. Muitas vezes, ouço como crítica a esse meu pensamento: "Bom, mas e o dirigente sindical que já está lá há 30 anos?" Bem, eu lamento, mas ele só sobreviverá se conseguir demonstrar sua legitimidade. Isso é um problema dele com a categoria que ele representa. Nós precisamos resgatar essa legitimidade. Precisamos reformular a cultura do trabalhador em relação à atividade sindical. Ele tem que se reconhecer como dono do sindicato e não como algo alheio a ele, para que possamos dar o primeiro passo no sentido da modernização das relações de trabalho. A partir daí, começaremos a viver essa experiência de uma negociação mais direta e ampla entre trabalhadores e empregadores, que poderá ser a tônica das novas relações trabalhistas no futuro. Para isso, duas coisas são fundamentais: a legitimidade da representação sindical, a que já me referi, e a salvaguarda de que o Estado estará presente, por intermédio do Poder Judiciário, como mediador, se assim as partes desejarem, e como limitador nos casos de abuso.
Da forma como está proposta a reforma trabalhista e sindical, há essa possibilidade da pluralidade dos sindicatos.
A proposta que está colocada, a despeito da minha admiração pela iniciativa do Fórum Nacional do Trabalho, que foi um evento marcante no que diz respeito ao diálogo social em nosso país, padece de uma incoerência principiológica. Ou bem se tem uma estrutura de liberdade sindical com pluralidade ou se mantém a estrutura de unicidade. Não dá para manter unicidade na base e a pluralidade no topo, que é o que se propõe com essa reforma. Da maneira como está sendo proposta, a reforma é um modelo híbrido que admite a existência de várias centrais sindicais, em âmbito nacional, mas nos municípios apenas um sindicato. Assim, surge a necessidade de criar vários mecanismos para medir a legitimidade dos sindicatos, quando na verdade seria muito mais simples consagrar a pluralidade sindical. Eu friso muito isso porque um dos argumentos falaciosos usado pelas pessoas é que, ao se consagrar a pluralidade sindical, vai virar uma bagunça porque nós vamos ter milhares de sindicatos. Ora, nós já temos milhares de sindicatos e temos unicidade sindical. Em contrapartida, a França, que é um país que tem a pluralidade sindical, tem muito menos sindicato que o Brasil. Lá os trabalhadores se deram conta de que se eles se organizarem em uma grande entidade forte é muito mais proveitoso do que em uma miríade de entidades mais fracas. Essa decisão quem tem que tomar é o trabalhador e não o Estado.
E a proposta da reforma trabalhista e sindical em relação, estritamente, às leis trabalhistas, em que ela pode melhorar?
A proposta traz um avanço significativo no que diz respeito aos meios de defesa dos interesses dos trabalhadores, quando privilegia a substituição processual para que a entidade sindical tenha meios efetivos de defender os interesses da categoria que representa. Parece-me que a orientação geral da proposta da reforma é no sentido de trabalhar esses dois pilares: a estrutura sindical e os mecanismos de defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores.
O senhor é o único brasileiro entre os 21 peritos da OIT em todo o mundo. Qual o trabalho que o senhor desempenha como perito e o quais são as políticas que a OIT está desenvolvendo no Brasil para combater o trabalho escravo?
A comissão de peritos da OIT existe há 80 anos. O objetivo dela, além de propiciar um fórum de debates entre trabalhadores, empregadores e governos do mundo inteiro, é disseminar normas e uma cultura de garantias mínimas devidas a todos os trabalhadores. Em razão disso, a OIT possui um conjunto de normas com 185 convenções e várias recomendações aprovadas e um mecanismo de controle e monitoramento da aplicação dessas convenções. Não basta existir a norma, ela tem que ser implementada. Então, há a necessidade de um acompanhamento quanto à implementação dessas normas no âmbito dos países membros da OIT. Todos os anos, se reúne em Genebra, na Suíça, a Conferência Internacional do Trabalho composta pelos representantes dos trabalhadores, empregadores e governos de todo o mundo para discutir a adoção de novas normas. Uma parte dessa conferência, que é a Comissão de Normas, examina casos importantes de violação das obrigações a que os países estão submetidos por força das convenções da OIT. Isso resulta do trabalho dos peritos.
Quais são as sanções previstas para os países que desrespeitam as convenções da OIT?
São sanções diplomáticas. Há uma limitação evidente que decorre do princípio da soberania das nações, e a OIT não é um tribunal. A Comissão da Conferência pode recomendar ao Conselho de Administração da OIT a imposição de várias sanções. Se a conferência conclui que o país A ou B não está cumprindo o estabelecido na convenção número tal, já cabe sanção moral. Mas, em casos mais graves, outras medidas podem ser adotadas, como suspender a condição de país membro da OIT. Ou, ainda, a exortação dos países que mantêm relações comerciais com aquele Estado que desrespeita as normas da OIT para reverem essas relações.
Como anda o Brasil em relação às normas da OIT?
A atitude da OIT em relação as suas normas tem sido bastante criativa em comparação com outros organismos das Nações Unidas. A OIT, ao invés de optar por um caminho de censura e criticismo aos Estados, tem proposto uma abordagem construtiva. Grave para a OIT não é um país ter trabalho escravo e, sim, ter trabalho escravo e não reconhecer. O Brasil vem fazendo a sua parte e isso é reconhecido no relatório do ano passado, em que o Brasil é citado como exemplo para o resto do mundo. Até 1994, o Brasil negava veementemente a existência de trabalho escravo. A partir desse ano, houve uma mudança de atitude. O Brasil passou a admitir a existência de trabalho escravo e pediu ajuda da OIT para estruturar um esforço de combate ao problema. Em 2002, a OIT implantou no Brasil um programa de combate ao trabalho escravo. Esse programa funciona como galvanizador das forças sociais, procurando colocar em contato entidades governamentais e não governamentais para discutir o assunto e também promover campanhas de conscientização da população. Mas, o fato é que desde 1994 o Brasil já vem organizando seus esforços para combater o trabalho escravo.
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