Adonilson Franco*
As empresas que mantêm entre si relações societárias – holdings, especialmente, mas também empresas interligadas, coligadas, ou ligadas por qualquer meio -, aproveitam essa condição de estruturação de seus negócios para reduzir custos de produção e despesas industriais e administrativas. Nesses casos, uma das empresas, normalmente a controladora (holding), contrata uma terceira empresa para prestar serviços para o grupo econômico. Numa outra situação, também comum no meio empresarial, a empresa controladora disponibiliza sua força de trabalho administrativo interno para prestar serviços para as demais empresas do grupo.
A diferença entre as situações é que no primeiro caso a controladora contrata terceiras empresas para prestarem serviços para todas as empresas do grupo, muitas vezes até para si, e compartilha as despesas correspondentes com as demais empresas do grupo. No segundo, usa sua própria força de trabalho interna e compartilha as despesas correspondentes com as demais.
Isso é lícito e em conformidade com a ampla liberdade do empresário de gerir seus negócios de forma mais econômica perseguindo lucros e dividendos, razão de existência de qualquer empreendimento (Lei 6404/76, art. 2º, caput; Código Civil, art. 997, VII). Quanto maior eficiência empresarial, maior o lucro. E esse, afinal tributável pelo IRPJ e CSLL. Apesar da simplicidade, a Receita Federal age de outra forma.
Recentemente, a manifestação da Superintendência da Receita Federal do Brasil da 6ª Região Fiscal (MG), em solução de consulta sobre “Rateio de Despesas”, no sentido de que o rateio, entre empresas, de despesas com serviços de contabilidade e recursos humanos por elas compartilhados deve ser registrado como receita pela empresa controladora do grupo (holding). Trata-se da Solução de Consulta nº 84 de 30/8/11.
Esse posicionamento do fisco aumentou o IRPJ, CSLL, PIS e Cofins da empresa consulente. A Superintendência da RFB da 9ª Região Fiscal (PR e SC) havia editado a Solução de Consulta (SC) 38 com entendimento contrário, segundo a qual o valor rateado não caracteriza receita da controladora. Para isso, bastaria que o contrato firmado com o prestador dos serviços previsse o coeficiente de rateio correspondente a cada empresa beneficiária dos serviços prestados. Quando se trata de burocracia e sanha arrecadatória, o que já é ruim pode ficar ainda pior, pois quando a RFB autua o contribuinte, o fisco municipal também exige o ISS. A diferença no entendimento do fisco estampada nas duas SCs parece estar no fato de que quando terceira empresa é contratada, as despesas podem ser rateadas. Quando seus próprios empregados são utilizados para prestar serviços para outras empresas do grupo, o rateio de despesas constitui receita tributável.
A Constituição Federal abre o Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, Capítulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, determinando que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna (art. 170, caput), sendo a todos assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, par. único). Mais ainda, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174, caput). Portanto, o setor privado, é por disposição Constitucional, livre para gerir seus negócios.
Acontece que dirigir seus próprios negócios como lhe apraz tem um custo imposto pela visão medíocre estatal. Porque, ao se exigir do contribuinte uma contrapartida da redução obtida – o que nem de longe pode ser caracterizado como receita -, é evidente que a condição imposta pelo Estado de permitir-lhe estabelecer suas escolhas é totalmente limitada. É bem verdade que os descontos obtidos de fornecedores integra a receita de quem contrata com tais fornecedores. No caso, o ganho seria da controladora. Entretanto, como ele nasce diretamente da negociação comercial com o fornecedor e não tem existência discriminada em nenhum contrato, fatura, documento, etc., porquanto nascido em fase anterior à formação do contrato, esse desconto comercial formalmente inexiste. O contrato formalmente redigido já expressará o preço final celebrado entre as partes, sem qualquer alusão a descontos; é o preço contratado. Não pode ser tributado.
A lei autoriza que, no caso de investimentos mantidos em coligadas e controladas, seja indicado em notas explicativas das demonstrações financeiras o montante das receitas e despesas nas operações entre a controladora e suas coligadas e controladas (Lei 6404/76, art. 247, V). Mas recuperação de despesas, ainda assim, não é receita tributável. No capítulo da Lei das SAs que dispõe sobre os prejuízos resultantes de atos contrários à Convenção (art. 276), está previsto que a combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos somente poderão ser opostos aos sócios minoritários das sociedades filiadas nos termos da convenção do grupo. A lei reconhece ser sempre legítima a contratação e o rateio se em benefício do grupo econômico, inclusive em prol das empresas ligadas. Se a lei estabelece que receita bruta é o resultado das vendas e serviços, pode-se obtemperar, com certa razão, que a SC nº 84 teria base legal para a exigência fiscal. Essa conclusão, contudo, é desprovida de um fundamento básico de direito empresarial: os serviços cujas despesas são rateadas pela controladora com as demais empresas do grupo econômico não constituem objeto social dela, isto é, não foi constituída para prestar serviços, por exemplo. Portanto, jamais poderiam ser considerados receita e, menos ainda, tributada.
* Adonilson Franco, advogado especializado em Direito Tributário. Sócio-titular do escritório Franco Advogados Associados. Professor no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário. Atua nas áreas de Planejamento Tributário, Direito Tributário, Societário, Civil, Comercial e Contratos Internacionais.