Thiago França*
Depois do surgimento do Código de Trânsito Brasileiro, a chegada da sinalização eletrônica foi, possivelmente, o fato mais importante das últimas décadas na área de trânsito brasileiro. A novidade dos equipamentos eletrônicos passou a ocupar local de destaque no cotidiano do nosso trânsito, seja pelo apoio imediato oferecido para aumentar a segurança ou mesmo pela reação contrária por parte dos infratores.
Seja como for, a introdução do uso de radares e demais equipamentos de controle de velocidade sinalizou aos infratores de trânsito que o “jeitinho brasileiro” para aquele tipo de violação estava chegando ao fim. E isso provocou uma repercussão apreciável.
Os dados da mortalidade no trânsito, divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde, mostram que, infelizmente, nossos números continuam acima do aceitável. O Brasil é o quinto país em número de óbitos decorrentes de acidente de trânsito. Mato Grosso continua figurando em segundo lugar como o Estado da Federação com maior número de vítimas de acidentes de trânsito. E os números de Cuiabá, a capital do Mato Grosso, nos levam não apenas a um sentimento de indignação, mas acima de tudo, de reflexão, e envolvimento na proposição de alternativas a fim de construirmos um trânsito seguro e melhor.
No ano passado, somente na capital, foram lavrados 119 mil autos de infração, segundo dados do Batalhão de Trânsito e Secretaria Municipal de Trânsito Urbano. Em 2011, morreram em Cuiabá e Várzea Grande 304 pessoas vítimas de acidentes de trânsito. Entre 2004 a 2010, Mato Grosso gastou em torno de R$ 1 bilhão com a violência no trânsito, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Hoje, lombadas eletrônicas, radares fixos, móveis, estáticos e “pardais” fazem parte do cotidiano do brasileiro, que pode até não gostar deles, mas aprendeu a respeitá-los, principalmente pelo temor das consequências para seus bolsos. Sem dúvida, não é a forma ideal de educar, mas é efetiva.
É importante deixar claro que nenhum país desenvolvido no mundo conseguiu enquadrar o seu trânsito sem usar de forma firme a educação e a repressão, que acabam sendo extremos de uma mesma corrente.
Cuiabá e Boa Vista (RR) são as únicas capitais do país que não possuem sinalização eletrônica. Precisamos mudar essa realidade. Todas as estatísticas são contundentes em afirmar que os municípios com radares eletrônicos reduziram significativamente os índices de acidentes, bem como foram diminuídos em 40% os custos médicos-hospitalares em razão do tráfego.
Embora sejamos absolutamente favoráveis à implementação dos radares eletrônicos em Cuiabá, temos defendido também um estudo e uma análise profunda a essa política extremamente repressiva no combate aos abusos no trânsito.
Não há dúvidas que urge adotarmos medidas de enfrentamento quanto aos números assustadores em relação aos acidentes de trânsito. Contudo, é preciso também, expandirmos nossos horizontes e criarmos uma nova metodologia de trabalho capaz não apenas de punir os infratores, mas, acima de tudo, de beneficiar os bons condutores e estimular os imprudentes a assumirem uma nova postura no trânsito.
Na semana passada, a Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso apresentou uma alternativa para diminuir a violência nas ruas de Cuiabá. Uma ideia proveniente da Suécia, país que tem o trânsito modelo para o mundo. Ao invés de distribuir multas, eles criaram uma espécie de “jogo educativo” com os condutores.
Em linhas gerais, adaptando-o para a nossa realidade, parte do dinheiro arrecado com as multas aplicadas aos maus infratores seria destinada ao pagamento de uma porcentagem do IPVA dos bons condutores.
Mato Grosso tem hoje todas as condições necessárias de implementar esse grande projeto, que não só contribuiria na redução dos acidentes de trânsito, como também agradaria tanto os que são contra e como os favoráveis à instalação dos radares eletrônicos.
Dessa forma, quem sabe, deixaríamos o segundo lugar no ranking nacional com vítimas de acidentes. Passaríamos a ser o Estado modelo e pioneiro na construção de novas alternativas a fim de combatermos essa grande epidemia chamada violência no trânsito.
Seria uma maneira ousada de investimento em educação para o trânsito, deixando de lado um pouco a repressão e apostando na gratificação.
O projeto não é fácil, mas é perfeitamente viável e atende ao clamor social. Passa apenas por vontade política! O que não podemos aceitar mais são os argumentos infundados e demagógicos dos que alegam estarem preocupados com a “indústria da multa”.
Todos nós, poder público e sociedade, devemos estar muito mais preocupados com a “indústria da infração”, pois é ela que mata, e não com a falsa ideia da “indústria da multa”, que é apenas uma consequência de todos os absurdos que acontecem nas ruas.
*Thiago França, presidente da Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso. thiagofranca.adv@terra.com.br