Bruno Calabrich*
Qualquer jurista ficará bastante surpreso ao ser informado de que está sendo debatido no Brasil se o Ministério Público pode ou não realizar investigações criminais. EUA, Itália, Chile, Alemanha e Portugal têm como clara a possibilidade de que o MP pratique, diretamente, atos de investigação. Até mesmo em lugares que ainda adotam um modelo processual bem distinto do brasileiro, como França e Espanha, a tendência atual é a de se conferir mais poderes ao MP. Pode-se dizer, portanto, que a polêmica é autenticamente brasileira.
As leis que regulam o funcionamento do Ministério Público (LC nº 75/93 e Lei nº 8.625/93) – e preveem a realização de diligências obrigatórias – têm quase vinte anos de vigência. Nosso Código de Processo Penal, que já estabelecia o mesmo (Art. 47), tem mais de meio século. Desde a Constituição de 1988, que fortaleceu e consolidou o papel do MP em nosso sistema jurídico, não houve nenhuma modificação substancial na legislação sobre o tema.
Se na lei nada foi alterado, o que certamente mudou nos últimos anos foi o fato de que o MP brasileiro passou a desenvolver seus trabalhos com cada vez mais eficiência, possibilitando que fossem processadas e eventualmente condenadas pessoas que, antes, mantinham-se intocadas pela Justiça.
Embora a realização de investigações criminais diretamente pelo MP não deva ser a regra – no dia-a-dia, as polícias têm mais maior estrutura para isso, além de ser essa a sua função primordial – não se pode impedir que, em determinados casos, o MP investigue, sobre pena de que crimes permaneçam impunes.
Uma primeira vantagem na investigação direta do MP é o ganho de qualidade e rapidez, considerando que a prova será obtida diretamente por aquele que avaliará sua pertinência e legitimidade para o processo. Sob a direção imediata do MP, serão produzidas somente as provas que realmente permitam a condenação dos culpados (ou o arquivamento dos autos, caso se verifique a inocência do investigado). Além de zelar pela regularidade da prova, evitando nulidades que muitas vezes levam a se perder investigações importantíssimas, é dever do MP assegurar o respeito aos direitos do investigado, evitando abusos infelizmente ainda rotineiros em investigações feitas pelas polícias.
Outra vantagem da investigação conduzida pelo MP reside na independência funcional dos seus membros, um princípio constitucional que os preserva de ingerências hierárquicas ou externas. Promotores e procuradores devem obediência à lei e a ninguém mais. Isso não ocorre com as autoridades policiais, que são organizadas hierarquicamente, subordinadas ao Poder Executivo e fiscalizadas pelo MP. Não poderia ser diferente; é contra os pilares da nossa democracia conferir independência a instituições armadas.
A independência funcional dos promotores de Justiça e procuradores da República permitem que realizem de forma eficaz investigações sobre determinados crimes que, em razão da natureza dos fatos ou dos interesses e das pessoas envolvidas, poderiam da mesma forma não ser investigados por outras autoridades. São exemplo disso as investigações sobre ilícitos envolvendo policiais, políticos ou empresários com grande poder e influência sobre autoridades públicas. Existem milhares de investigações como essas Brasil afora, pelos ilícitos mais variados, desde crimes cometidos por grupos de extermínio até fraudes em licitações. Todas poderão ser anuladas caso se entenda que o MP não pode investigar, e quem estiver preso ganhará a liberdade.
Há diversos argumentos jurídicos para que o MP investigue. O maior fundamento, entretanto, é a necessidade de que sejam debelados os alarmantes índices de criminalidade e impunidade no Brasil. Proibir o MP de investigar é uma derrota para a sociedade e uma vitória para os criminosos.
*Mestre em direitos fundamentais pela FDV, professor da Escola Superior do Ministério Público da União, procurador da República e membro do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF em Brasília
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