Minha irmã está morta. Não há nada a fazer ou a responder perante este vazio infinito colocado diante de mim. Malgrado nos últimos anos eu tenha sido submetida a uma verdadeira queima de arquivo – lembrando as mortes de Hamilton Trevisan, o amigo que me descobriu para a literatura; Paulo Francis, o crítico que me descobriu para o mundo, Ênio Silveira, meu primeiro editor e “inventor” pro mundo editorial; Marcos Rey, escritor e mentor que revelou pra mim mesma meu próprio estilo; e mais recentemente, há menos de ano e meio, minha mãe (por motivos pra lá de óbvios) – a perda de Maria Teresa superou – em dor, em sofrimento, em horror – todas as anteriores.
Nosso amigo comum, Ítalo Moriconi observou: “mas Márcia, ela era o teu alter-ego”. Sim, ela era meu alter-ego. Meu outro eu. Para o fim, quando em agonia – um estado de semi-inconsciência que durou vários dias, uma vez que então já não se movia, não falava, não reagia e seus olhos, piscando mansamente, se apagavam, morriam antes pouco a pouco, tentei escrever a respeito (talvez para entender, talvez aliviar a dor agudíssima que há meses vinha doendo insuportavelmente), mas só o ato de abrir o bloco de anotações foi como se garras subitamente me atacassem pelo lado de fora, de forma que fechei abruptamente o caderno. Não, ainda não.
Então subitamente compreendi que com a agonia e morte de Maria Teresa, morta estaria eu, quer dizer, boa parte de mim, bota aí uns 25%: todas as lembranças, sentimentos, tristezas e alegrias, dores, amores, terrores e êxtases, idéias, vivências, pensamentos, palavras e obras duma vida inteira – mais de cinquenta anos de convivência e sintonia profundas – caput, acabavam, eram ceifados num só golpe sem compaixão nem misericórdia – apenas por que vida e morte são assim e acabou-se.
Sim, Maria Teresa era meu outro eu – precisamente meu oposto complementar –, não parte nem pedaço de mim, antes algo além e a mais – porque era passional, intensa, terrivelmente emotiva, privilegiando as relações humanas e não a chamada Humanidade abstrata que, como escritora, privilegio.
Me ensinava a ver coisas que por mim mesma eu não veria – e vice-versa – num processo retro e auto-alimentador sem paralelo em nossa existência.
De forma que, com a morte de Maria Teresa – por mais esta queima de arquivo – o mais doloroso é que morre quem fica vivo. Eu evidentemente.
Restam os amigos. Sempre. Centenas de votos solidários e palavras de afeto e consolo pessoalmente, por e-mail, no Facebook, etc. Que aqui agradeço coletivamente na quase-impossibilidade de fazê-lo um a um.
Obrigado a todos do fundo da alma: assim vocês me devolvem um pouco da vida que irremediavelmente se foi.