Publicada originalmente às 7h de hoje (30), esta coluna sofreu uma atualização às 10h40. Ontem (29), quando ela foi escrita, Dilma Rousseff resistia a ceder aos apelos da sua base parlamentar para prorrogar o prazo de liberação das emendas parlamentares do orçamento do ano passado. À noite, depois que a base fez um dia de greve na Câmara e não votou nada, Dilma cedeu, e prorrogou por 90 dias a liberação das emendas. Ou seja, a base botou força, e Dilma perdeu a primeira queda de braço com ela. O estilo e a determinação da presidenta devem levar a outras quedas de braço com a base de sustentação.
Dilma dá seguidas mostras de que quer restabelecer a relação política do Executivo com os partidos que lhe dão sustentação longe do toma-lá-dá-cá e do fisiologismo que caracterizou essa relação em toda a história da redemocratização do país, desde o primeiro governo de José Sarney. A história de não querer ceder à liberação dos chamados “restos a pagar”, o dinheiro de emendas parlamentares, principalmente, que ficou do exercício orçamentário do ano passado foi a última demonstração disso.
Dilma diz querer escapar dessa armadilha do varejão de verbas e cargos públicos. Quer traçar metas e programas e criar um tipo de relação na qual os partidos lucrem com o sucesso dessas macropolíticas, e não individualmente cada um com o que consegue nos seus nacos de poder e nos esquemas que monta com o dinheiro público.
Se a intenção é mesmo essa, e se ela vier a obter sucesso, será um fato auspicioso na política brasileira. Vamos sair desse perverso jogo da governabilidade, que favoreceu a existência de partidos sem qualquer consistência ideológica, que crescem aderindo aos governos, emprestando-lhe apoio congressual em troca dessas verbas e cargos. O PMDB é o maior exemplo desse tipo de partido, mas não é o único. É isso que o PSD de Gilberto Kassab quer ser quando crescer.
Esse é o lado auspicioso. Vamos ao lado perigoso. E que tem mais chances de acabar prevalecendo. O desfecho da queda de braço em torno da história das emendas demonstra isso. Na melhor das hipóteses, fará com que Dilma ceda à pressão fisiológica de seus aliados, e o rame-rame da troca do apoio por verbas e cargos continuará na política brasileira. Na pior das hipóteses, esses grupos irão mais e mais trabalhar para desgastar e desestabilizar Dilma. O Brasil tem na sua história dois casos exemplares de governos com minoria congressual. O primeiro Jânio Quadros terminou com a renúncia do presidente. O segundo Fernando Collor com seu impeachment. Ninguém aqui está dizendo que isso vai acontecer com Dilma. Só estamos lembrando o que a história nos conta sobre governos que perderam a sustentação parlamentar.
O problema é que Dilma não combinou previamente com seus aliados que a relação que pretendia era essa. Na hora de fazer o pacto eleitoral, ela não estabeleceu com o PMDB que o trato político ia ignorar o toma-lá-dá-cá, o varejão, que é o oxigênio da existência e do poder do partido. Como já dissemos aqui em outras ocasiões, foi a primeira vez que o PMDB embarcou inteiro num único projeto político. O partido fez um investimento e, dentro da sua lógica, cobra a contrapartida. Uma contrapartida que entrou para a lógica nos últimos anos também dos demais parceiros. Inclusive de boa parte do PT, que agora também vive do que usufrui com os cargos que ocupa e com as verbas que libera.
Assim, se a base não consegue obter essa contrapartida que supõe ter por direito por bem, ela vale-se do seu tamanho e importância para conseguir por força. Assim, se Dilma não queria liberar as emendas, a base rebela-se como fez ontem (29) e até cria mecanismos para forçá-la a fazer o que não quer. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Márcio Reinaldo de Souza (PP-MG), estabelece, por exemplo, no texto que o governo só poderá contingenciar a liberação das emendas individuais na mesma proporção que contingenciar seus projetos prioritários, como o PAC, por exemplo. Ficando isso na lei, para que o governo construa, digamos, uma usina hidrelétrica que esteja no PAC, vai ter que liberar grana também para centenas de bancos de praça das emendas dos deputados e senadores.
E pode ficar certo que a maioria dessas emendas trata de bancos de praça e outras coisas menores. Porque isso é da própria lógica da sua existência. Cada parlamentar tem uma cota de verba pública para distribuir no seu estado com emendas individuais. Quanto mais ele conseguir pulverizar essa verba, mais municípios do seu estado ele atenderá. Quando mais emendas ele liberar, em mais municípios ele poderá ir pessoalmente inaugurar obras que dirá que não teriam sido feitas sem a sua participação. É evidente que nessa pulverização o que se poderá fazer em cada caso serão obras de valor menor.
É papel de um governo federal liberar dinheiro para banco de praça? Não seria melhor se os parlamentares de cada região se reunissem, traçassem juntos planos de desenvolvimento, identificassem as carências e orientassem os recursos para resolver essas carências? Com o estado desenvolvido a partir daí, não faltaria dinheiro para construir bancos de praça. Mas qual parlamentar vai querer fazer essa mudança se é mantendo essa relação de dependência com o poder público e com a necessidade de liberação das verbinhas que ele vem há anos e anos ganhando eleições e mantendo seus esquemas de poder?
Dilma está mexendo num vespeiro. Ontem (29), ela já não conseguiu escapar das picadas.
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