Uma jornalista de Alagoas me passou essa pauta: “Que obra de arte transformou sua vida?”, que achei muito boa, de forma que me estendo a respeito por aqui, que tenho mais espaço. E repassando, de passagem, aos leitores que quiserem se manifestar.
Bom, sou uma mulher das palavras, mas penso em tantas coisas e emoções e gentes e formas de arte – porque sinto que em tudo há porosidade, em todas as coisas existem passagens de umas para outras, portanto toda a vida se interliga para resultar na arte – de forma que as obras e os autores citados abaixo me impressionaram demais, deixando, às vezes, uma impressão duradoura, às vezes, permanente, só que em diferentes momentos da vida.
E tanto a arte é uma questão de tempo que, por exemplo, se hoje o O Lobo da Estepe de Hesse me é ilegível, há 30 anos atrás a garota que fui considerava-o A Obra Prima, na mesma linha, digamos, de O Retrato de Dorian Grey de Oscar Wilde, sem contar minhas obsessões pelos policiais fajutos de Ellery Queen, o inocente fascista Rudyard Kipling e, claro, o casal M.Delly & José de Alencar e toda a coleção de moças! Safa!
O fato é que, desde sempre, o gosto infanto-juvenil é breguíssimo!
Porque inevitavelmente a cultura (na qual a arte está incluída como uma espécie de “suma”*) precisa de tempo para produzir seu efeito acumulado, dessa forma operando o salto qualitativo (e se alguém te garantir que você pode adquirir cultura rapidamente, aqui e agora, liga pra o 190 e manda enquadrar o filha da puta).
Ok, mas vamos à lista: Júlio Cortázar de O Jogo da Amarelinha (na tradução de Fernando de Castro Ferro, genial) e Todos os fogos o fogo (tradução perfeita de Glória Rodrigues, é uma contística definitiva), Faulkner** de Absalão, Absalão (excelente tradução da Sônia Regis) e O Som e a Fúria (tradução portuguesa das edições Europa-América muito boa, salvo os malditos lusitanismos tipo “vedação”, “bicha”, “chui”,”caixilho”, sem contar a maldita sintaxe DELES); em seu devido tempo Proust e todo Em Busca do Tempo Perdido (temos traduções geniais – de Quintana à Lobato); Malcolm Lowry de À Sombra do Vulcão (esse livro eu herdei do Osman Lins, uma edição de Livros do Brasil – Lisboa – Coleção Dois Mundos e o título do volume dá
vontade de mijar de rir: é Debaixo do Vulcão, pois, pois).
A partir de 2004, só Marcelo Mirisola, a começar do Herói Devolvido, sobretudo porque ele se reporta à Astor Piazzolla, donde toda La Musica Contemporanea de La Ciudad de Buenos Ayres (tenho todos os discos desse cara); Antonio Carlos Jobim e sua translúcida poesia de Passarim e Saudades do Brasil – ele cantando com Sting How Insensative é the must!
Os filmes Z e Missing de Costa-Gravas e, mais recentemente, Perdas e Danos de Louis Malle; mas quando o papo é cinema – e eu simplesmente adoro cinema – cito diretores: James Cameron, Oliver Stone, Wong Kar Wai, Myra Nair, Tarantino, Scorsese, Coppola, os irmãos Cohen, Frears, James Ivory e Osmail Merchand, Bertollucci, Ridley e Tony Scott e, naturalmente, Sam (Beleza Americana) Mendes!Por que? Porque conheço toda a filmografia dos caras e não ia ter espaço pra citar obra por obra, right, baby?
Voltando à questão do tempo: a maioria dos filmes de autor dos anos 60/70/80 não resistiram ao mesmo. Exemplos: alguém ainda consegue assistir Blow Up de Antonioni? Satyricon de Fellini? Easy Rider, para não ir muito longe, Aeroporto, Inferno na Torre, Shampoo (cruzes!). E acredite se quiser: não salva nem American Grafitti do George Lucas!
Escultura? Ah, claro, aquele Touro de Chicago para mim é suficientemente IMPRESSIONANTE! Simboliza APENAS o poder do maior Império do Mundo,
o bastante para transformar a vida de qualquer um!
Claro que estou sendo cínica, mas a arte não vale pelo seu “poder simbólico”, meus queridos?
Mas voltando (ainda): que arte ou artista me transformou? Cabe em duas palavras: William Faulkner.
Para sempre. E o Império e o Touro que se danem!
*Suma – se você não sabe o que é suma, azar, não vou dar release, procura no Google, mané.
**Faulkner – li simplesmente tudo dele: Santuário, Enquanto Agonizo, Luz de Agosto, as novelas do Go Down Moses como O Urso, Palmeiras Selvagens, O Invencidos (parte de Sartoris), O Solar (da trilogia The Mansion, The Town, The Hamlet), A Fable, toda a saga de Yoknapatawpha Conty, a partir de O Som e a Fúria, Absalão, Absalão, etc.