Sylvio Costa
"A campanha só vai ter início pra valer depois que começar o horário no rádio e na TV". Quem não ouviu afirmações do tipo por aí? O pensamento implícito na frase é que a propaganda eleitoral, sobretudo na televisão, teria o poder de redefinir inteiramente os rumos da disputa.
O cientista político Ricardo Guedes, doutor na área pela Universidade de Chicago e diretor da Sensus Pesquisa e Consultoria, não rejeita apenas essa idéia. Vai além, afirmando que os dados resultantes das pesquisas de intenção de votos feitas nas últimas semanas apontam certa consolidação do quadro eleitoral.
Incógnitas persistem, claro. A primeira delas é saber se Lula conseguirá a maioria de votos válidos capaz de lhe garantir a vitória no primeiro turno. "Se ganhar no primeiro turno, vai ser por uma diferença muito pequena. Se não ganhar, também", observa Guedes.
Mas, para o cientista político e especialista em pesquisas, é improvável uma alteração radical na posição de qualquer um dos candidatos presidenciais que tenha força suficiente para imprimir caminhos muito diferentes dos atuais à batalha pelo Planalto.
Síntese dos números
Considerando os dados de quatro institutos (Datafolha, Sensus, Ibope e Vox Populi), as pesquisas eleitorais dos últimos quatro meses mostram, de modo razoavelmente coerente, que os principais candidatos tiveram a seguinte trajetória.
Lula (PT) iniciou o mês de abril na casa dos 43 pontos percentuais, foi crescendo suavemente até atingir seu ponto máximo no final de maio/início de junho (48% no Ibope, 46% no Datafolha). Depois, teve uma pequena queda, que o trouxe de volta, na segunda quinzena de julho, para patamar próximo ao que tinha no início de abril (44% no Datafolha e no Ibope).
Alckmin (PSDB) começou abril perto dos 20 pontos percentuais. Na segunda quinzena de junho, começou a subir. Em julho, alcançou seus melhores índices: 27% na Sensus e no Ibope, 28% no Datafolha e 33% no Vox Populi. Seu crescimento variou entre cinco (Datafolha) e dez pontos percentuais (Vox Populi). Na média, cresceu 7,5 pontos.
Heloísa Helena (Psol) saiu de uma faixa entre 6% e 7%, nela ficou em maio, caiu ligeiramente em junho (chegando a 5% no Vox Populi e na Sensus) e subiu em julho. Como a Sensus não fez pesquisa para as eleições presidenciais mês passado, o crescimento só foi captado pelos outros três institutos. Ele variou de um (Vox Populi) a três pontos percentuais (Datafolha, que conferiu a Heloísa seu mais alto índice de intenção de votos até aqui, 10%).
Os demais candidatos (Cristovam, Eymael, Rui Pimenta e Luciano Bivar), somados, tinham ao redor de 2% dos votos no início de abril. Em julho, totalizaram 3%.
O total de indecisos caiu, saindo de um patamar entre 10 e 12% em abril para 8 a 11% em julho. Ao longo de todo o período, as pesquisas atribuíram vitória de Lula no primeiro turno, mas por margem progressivamente menor.
Programas eleitorais se auto-anulam
São esses números que, segundo Ricardo Guedes, têm poucas chances de mudarem radicalmente até a eleição de 1º de outubro. Ele diz: "Temos uma situação de fato que é a polarização entre Lula e Alckmin, com os eleitores desses candidatos muito convencidos do seu voto. Heloísa Helena pode até crescer mais, embora eu não a veja com tendência de grandes crescimentos. Mas o crescimento que ela tiver não tem muito espaço para afastar a polarização que existe".
Guedes não vê nenhuma possibilidade de o horário eleitoral no rádio e na TV alterar significativamente as preferências atuais do eleitorado: "Há muita consistência no eleitorado tanto de Lula quanto de Alckmin. Eles têm eleitores que, em sua grande maioria, não vão mudar de opinião. Os de Lula porque estão satisfeitos com a estabilidade econômica, os programas sociais, o salário mínimo, o aumento do emprego etc. Os de Alckmin por causa do discurso da questão ética e da defesa de um choque de gestão".
Para Lula, continua o cientista político, o maior ponto fraco está no festival de irregularidades perpetradas por quadros do PT e dos partidos governistas. "Mas o Lula tem discurso para responder a isso", ressalva. "Pode dizer que corrupção tem em todo mundo, mas que ele investigou, que a Polícia Federal nunca trabalhou tanto, que ele cortou na carne, demitiu dezenas de pessoas acusadas".
Quanto a Alckmin, Ricardo Guedes vê na precária situação de segurança pública no estado de São Paulo, que ele governou por dois mandatos, o seu ponto mais vulnerável. "Fica complicado falar em melhorar a gestão pública com o PCC", afirma o diretor da Sensus, enfatizando que não se trata de "juízo pessoal, mas de uma análise técnica de vulnerabilidades".
Daí sua conclusão: "Os programas eleitorais se baseiam nas ferramentas do marketing, que consistem basicamente em captar algo que está subjacente no eleitor e que os marqueteiros traduzem no horário eleitoral. Como há discursos consistentes dos dois lados e uma base eleitoral sólida afinada com eles, os programas eleitorais tendem a se auto-anular. Acabarão não tendo uma prevalência significativa".
Percepções apressadas
Para Guedes, tem havido muito equívoco nas percepções dos números das pesquisas eleitorais. "Se você reparar bem, olhando séries históricas mais longas, as oscilações de índice dos candidatos não são tão grandes", pensa o diretor ao ressaltar o exagero das interpretações que circularam nos últimos meses. "Há um pouco de volatilidade, mas ela é às vezes superestimada por um problema de capacidade analítica".
Ele lembra do clima reinante no segundo semestre do ano passado, quando "muitos davam Lula como morto". "Depois", recorda Ricardo Guedes, "o Lula continuou com índice alto nas pesquisas e falaram que o PSDB não tinha crescido porque não havia lançado candidato. Aí lança e não cresce. Aí todo mundo diz que o Alckmin não vai crescer mais e o Lula está eleito, e o Alckmin cresce".
No momento, acrescenta, vivemos a fase do fenômeno Heloísa Helena. Fenômeno que, conforme sua leitura, não mostrou até agora capacidade de lançar pelos ares as tendências sinalizadas pelas pesquisas. "Não são movimentos reais, são movimentos de percepção", argumenta.
Essas tendências, completa Ricardo Guedes, convergem para a incógnita central: tanto as forças de oposição como Lula e seus aliados têm dificuldades para conquistar uma maioria folgada do eleitorado. Do problema, prossegue, resultam as duas grandes incógnitas da sucessão: 1) Haverá segundo turno? 2) Havendo, quem ganharia, Lula ou Alckmin?
A Lula, nesse quadro, cabe transformar em votos o prestígio que tem como presidente (mais de 50% da população aprova seu desempenho). A Alckmin, arregimentar apoios para levar a eleição para o segundo turno, de modo a buscar a vitória contando com o reforço de outros setores da oposição.
"O quadro é esse e é muito difícil haver uma mudança profunda", arremata Guedes. Mesmo assim, claro, fortes emoções nos aguardam pela frente. Até porque, à luz das pesquisas, ninguém pode dar respostas seguras para qualquer uma das duas perguntas acima.
Na opinião do cientista político, é grande a probabilidade de chegarmos ao dia 1º de outubro sem ter uma sinalização clara sobre a realização ou não do segundo turno. "Essa eleição vai ficar por um fio", diz ele.