Os demais partidos da base aliada da presidenta Dilma Rousseff acompanham com imensa atenção a limpa que está sendo feita no Ministério dos Transportes e no Departamento de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Já foram 15 demissões (se não aconteceram outras entre a hora em que a coluna foi escrita e o momento em que você, leitor, a está lendo), e a limpeza ainda não acabou. A piada do Zé Simão, que rebatizou o Dnit de Dmit (lê-se “demite”) corre na boca dos líderes políticos dos partidos da base.
O que faz torcer alguns narizes de dirigentes partidários aliados a Dilma é a leitura subliminar da limpa nos Transportes. Voltemos ao início. De acordo com a própria reportagem da revista Veja na origem do escândalo, foi Dilma quem primeiro atentou para as irregularidades. Ao perceber superfaturamentos e aditivos de contratos injustificáveis, ela chamou a turma para uma reunião e disse que não toleraria aquilo. Que as obras não tinham controle e que, a partir de agora, ela iria colocar “babás” (as ministras Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti) para cuidar do setor. A essa informação, totalmente confirmada pelo Palácio do Planalto, a Veja acrescentou que os superfaturamentos e aditivos sem justificativa destinavam-se a irrigar um esquema de propina do PR. A partir de então, a cúpula do ministério começou a cair como peças de dominó.
A cada nova denúncia que surgiu após a primeira, Dilma reagiu cortando novas cabeças. Num claro propósito, de novo de acordo com as próprias informações do Palácio do Planalto, de remodelar a área toda para torná-la mais eficiente e para sanear o histórico foco de corrupção que o setor de Transportes tem sido.
A leitura subliminar é mais do que clara. Ao limpar uma estrutura que herdou e que considera corrupta, Dilma passa a imagem de que ela é honesta e preocupada com o bom uso do dinheiro público. Mas que um de seus aliados, o PR, não é assim. Como a isso se somam outros pequenos recados e informações não declaradas que as fontes palacianas passam em off aos jornalistas, a limpa tem sido acompanhada por todos com muita atenção. Especialmente pelo PMDB.
Nas últimas conversas da cúpula peemedebista ao analisar o que vem acontecendo da demissão de Antonio Palocci da Casa Civil para cá, a impressão que resume tudo é a seguinte: se Dilma pretende governar passando a impressão para a opinião pública de que a relação com os partidos políticos vem sendo no Brasil uma rotina de promiscuidade que precisa ser combatida e corrigida, ela vai acabar tendo problemas. Porque é uma relação que a deixa muito bem, mas que deixa seus aliados políticos muito mal.
Estabelece-se, assim, uma queda-de-braço. Dilma calcula que o apoio que venha da opinião pública – especialmente da classe média, mais ligada às questões que envolvem moralidade pública e combate à corrupção – pode levá-la a tomar tais atitudes porque, ao final, os partidos, com medo de aumentar ainda mais a impopularidade, cederão. Já os partidos apostam que a impressão que os tornou aliados é o quadro da realidade: num país com diversos partidos sem que nenhum deles domine, os governos precisam fazer uma política ampla de alianças em nome do que se batizou de “governabilidade”. Dilma precisa dos votos das bancadas desses partidos para aprovar projetos. Em troca, esses partidos querem cargos e verbas. Se Dilma ameaçar não entregar os cargos e verbas, os partidos não entregam os votos.
O próprio PMDB ainda não fala de dar um susto desses em Dilma assim que o Congresso voltar no segundo semestre. Não foi diretamente afetado no caso dos Transportes, não tem por que reagir. Mas acha que o PR já está ensaiando uma reação qualquer, já que quase virou sinônimo de corrupção.
PublicidadeNo caso do PMDB, a preocupação agora é manter suas ferramentas de domínio político para poder se contrapor às vontades de Dilma. E, hoje, isso significa ter o comando de pelo menos uma das Casas do Congresso. Ou talvez mesmo das duas. Porque são as presidências da Câmara e do Senado que definem o que irá ou não à votação. Ou seja: é a partir dali que podem se viabilizar ou não os sustos no governo.
O PMDB avalia que Dilma, sabedora disso, pode começar a tramar para fazer com que o comando do Congresso passe para o PT, seu partido, que lhe pode ser mais fiel. Com isso, pode romper o acordo que foi feito na eleição de Marco Maia (PT-RS), quando se acertou que o próximo presidente da Câmara seria peemedebista. Mais exatamente o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). Mas depois disso Dilma já se desentendeu com Henrique Alves na votação do Código Florestal. Daí a encontrar um petista para entrar na disputa, consideram os peemedebistas, é um passo.
Assim, ao mesmo tempo que trabalha para não abrir mão da Câmara, o PMDB já começou a se mexer para ter um nome próprio na sucessão de José Sarney no Senado. A eleição será no começo de 2013, mas as coisas já caminham nos bastidores. Renan Calheiros (PMDB-AL) é quem mais parece querer o cargo. Mas muitos acham que depois do rolo com Mônica Velloso e as denúncias que vieram, ficou queimado demais para conseguir se eleger. Romero Jucá (PMDB-RR) também se movimenta. Mas tem problemas semelhantes aos de Renan: a imagem de líder eterno, seja de qual governo for, o compromete. Aí, há os nomes que correm por fora: o ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho, que presidiu o Senado após a saída de Renan, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), que sonha mesmo é com o governo do Ceará, mas avalia que dois anos presidindo o Senado antes disso só lhe dariam mais poder e visibilidade.
O fato de o PMDB estar brigando internamente pelo comando do Senado pode acabar no final beneficiando Dilma e o PT. Mas os peemedebistas brigam, mas não costumam queimar dinheiro nem abrir mão de poder. Fundamentalmente, o que eles querem, e precisam, é de força para manter a queda-de-braço com Dilma. É por aí que se apresenta a próxima pendenga. Dilma governa, mas não consegue tirar a crise do colo.