Antonio Vital*
Vários projetos em tramitação na Câmara tratam da Polícia Civil, mas atingem diretamente outras categorias envolvidas no combate ao crime, como a Polícia Militar (PM) e o Ministério Público (MP), que reclamam perda de poderes. É possível pensar a segurança pública a partir de pontos de vista corporativos? A relação da Polícia Civil com outros órgãos da segurança foi o tema do programa Expressão Nacional, da TV Câmara, na noite de terça-feira (24).
A primeira briga é com a PM. Um projeto elaborado pelo governo (PL 1949/2007) cria a Lei Geral da Polícia Civil, válida para todo o país. Entre outras coisas, dá aos policiais civis a competência exclusiva para registrar o chamado termo circunstanciado, um registro de ocorrências menos graves. Este resumo, hoje, é feito pela PM em vários estados, o que agiliza até mesmo a ação penal, a cargo do Judiciário.
Outra briga é com o MP. Um projeto de decreto legislativo (PDC 128/2007) anula uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que regulamenta a maneira como promotores e procuradores devem fazer o controle externo da polícia – atribuição conferida a eles pela Constituição.
Há ainda uma briga que envolve a PM, o MP e até mesmo as diversas categorias que compõem a própria Polícia Civil. Uma emenda constitucional (PEC 549/2007) inclui os delegados na carreira jurídica, com salário igual ao dos membros do Ministério Público – algo em torno de R$ 18 mil. Os militares acham que a medida é um retrocesso no que diz respeito à integração dos órgãos de segurança. Além de aprofundar a atual diferença salarial entre coronéis e delegados, a carreira jurídica muda a relação hierárquica entre eles. Mas até mesmo os agentes e peritos da Polícia Civil são contrários à emenda, que desvincula os salários deles com os dos delegados.
Participaram do debate dois policiais civis, um oficial da Polícia Militar, um membro do Ministério Público e um ativista de organização não-governamental. Um dos presentes foi o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), procurador de Justiça e ex-secretário Nacional de Segurança Pública. Também se sentaram em volta da mesma mesa o deputado João Campos (PSDB-GO), que é delegado e relator da Lei Geral da Polícia Civil; Jânio Bosco Gandra, presidente da Confederação dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol); o coronel Sigfrido Maus, presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil (AME Brasil); e Sebastião Correia dos Santos, coordenador da ONG Viva Rio.
Biscaia defendeu o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e criticou a discussão de proposições a partir de pontos de vista corporativos, sem o foco global que decisões a respeito de segurança pública merecem. "O correto seria a integração das polícias", disse.
João Campos admitiu que alguns pontos da Lei Geral da Polícia Civil se chocam com as atribuições da PM, mas defendeu a necessidade de unificar a maneira de os policiais atuarem em todo o país. "O sistema está desorganizado. Precisamos padronizar isso", explicou.
O coronel Maus reclamou de trechos da Lei Geral que dão à Polícia Civil as mesmas atribuições da PM, como "a competência da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". Sem contar a mudança relativa ao termo circunstanciado. "Se perdermos essa função, quem perde mais é a sociedade e não a polícia", disse. Maus, que é da PM de Santa Catarina, defende que o delegado tenha o mesmo salário que o coronel da PM. "Deveria haver uma paridade entre a PM e a Polícia Civil. Essa equivalência, e a equivalência de autoridade e de função, é que vão permitir a integração das polícias", disse.
As desavenças dentro do aparato de segurança pública só aumentam à medida que a discussão se aprofunda. Os salários, principal reivindicação das corporações, são diferentes de estado para estado, e até mesmo dentro do mesmo estado, se comparada uma instituição com outra. E há outros rachas. Os peritos, por exemplo, querem fazer parte de uma espécie de polícia técnica independente, desvinculada hierarquicamente da Polícia Civil. João Campos é contra. "Polícia é só o que está definido na Constituição", disse.
A morte de três jovens por traficantes no Morro da Providência, no Rio, também foi mencionada como sinal do desacerto e da confusão de atribuições presentes hoje na área de segurança pública. Eles foram entregues aos assassinos por uma patrulha do Exército encarregada do policiamento da região. "Exército, só por tempo determinado", resumiu Biscaia.
Os debatedores só concordaram quando falaram da importância de bons salários e condições de trabalho dignas para os profissionais encarregados da segurança pública. Mas a forma desarticulada como isso tem sido feito, com base em pressões de categorias mais organizadas, não permitiu uma visão otimista da idealizada integração das forças encarregadas de proteger a população.
O programa sobre a Polícia Civil e a segurança pública será reprisado sexta (27), às 4h e às 11h30; sábado (28), às 12h; domingo (29), às 9h30; e segunda (30), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (1°), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo o fim da guerra fiscal, medida prevista no projeto de Reforma Tributária em tramitação na Câmara e que vai impedir que os estados mais pobre concedam incentivos fiscais para atrair empresas. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
* Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional, da TV Câmara.