Entra e sai ano, a gente costuma sempre sair, entrando com novos e os melhores propósitos e listas do mundo, destinados a nós mesmos, como se fosse possível refazer, a cada novo ano, nosso itinerário de vida. Cada um tem sua lista e os itens mais frequentes incluem transformar-se em alguém diferente e muito melhor, livrar-se de defeitos insuportáveis, trazer para a luz suas brilhantes qualidades para que se tornem evidentes, tirá-las da sombra para mostrar ao mundo quem realmente você é – esbelto (se for gordo), amável (se for intratável), eficiente (se for relaxado), sempre alegre (se for um maldito deprimido), otimista (no caso, se for outro maldito fatalista incurável), sempre para cima ( se a depressão te come por um perna entra e sai ano), enfim, ser perfeito.
Aquele sujeito a quem todo mundo quer por perto, convida, procura, aponta como exemplo.
Bom. Estaria tudo certo se: 1) a perfeição não fosse uma merda (não tem uma música do Gilberto Gil que diz, pelo subtexto, que a “perfeição é uma meta (merda), etc.”?);
2) se não existisse o velho e bom axioma psicológico que diz: nosso pior defeito, nosso aspecto mais negativo, também é o mais positivo, nossa grande qualidade, mais, precisamente aquilo que nos diferencia – e nos torna únicos – no mundo inteiro.
Concordo, é paradoxal, mas é isso aí. E por que me ocorreu a tal lista de propósitos? Porque na base dela está minha mania de “ser perfeita”. Mania que aparece diante de desde as grandes crises (morte em família, rupturas afetivas, mudanças radicais, inclusive de casa) até as menores, como passagens de ano & outros rituais minúsculos, descendo irrevogavelmente (é mais forte do que eu!) a detalhes mórbidos, ridículos, pentelhíssimos.
Porque é aí que o bicho pega.
Porque a perfeição implica ser perfeito sempre, em tudo e nos mínimos detalhes: eu mesma pensaria duas vezes ANTES de me querer ter por perto, servir de exemplo e muito menos procurar – pior – me convidar prum cineminha, jantar e, absurdo total: viajar num fim-de-semana!O que a maioria dos mortais faz automaticamente, quase sem pensar, com naturalidade, para mim sempre foi algo complicado, penoso, difícil, quiçá impossível! E a má notícia é que só piora com a idade, cruzes!
Sem contar que “mania de perfeição” também é “mania de profundidade” – cavoucar até o fundo dos problemas. Por exemplo: se te pedem um conselho ou opinião, não é para ouvir a verdade (que eu direi inevitavelmente, se tiver esta chance, me tornando, ato contínuo, odiada por Deus e todo mundo!), ao contrário, é para NÃO ouvir nada além de abobrinhas, aliás, na esmagadora maioria das vezes, só estão fazendo um social, jogando conversa fora e assim por diante. Outra: jornalisticamente falando, se te pedem uma matéria sobre um show de rock, nem sonham em receber de volta uma espécie de ensaio sócio-econômico das tendências musicais de massa incluindo críticas à classe empresarial como um todo e ao dono do jornal em particular.
De forma que, para mim, arrumar uma maleta é uma questão extremamente complexa. (imaginem, logo eu, que boto durex em saco de supermercado rasgado). Por outro lado, infinitamente mais fácil e simples é escrever um conto ou romance ou esta crônica aqui.
A literatura é feita para parecer fácil aquilo que, no fundo, é extremamente difícil de ser feito – uma máquina complexa que não passa do “engenhoso arranjo de várias máquinas simples”.
Voltando ao começo: claro que a perfeição – a precisão – é uma merda. Mas é condição “sine qua non” da Literatura. Literariamente, em meu universo interior, meu pior defeito, meu aspecto mais negativo se torna o mais positivo, minha grande qualidade, mais precisamente aquilo que me diferencia – e me torna única – no mundo inteiro.
E isto me reconcilia comigo mesma e com o mundo, me faz jogar a lista fora porque está tudo bem, está tudo certo. Por um 2012 breve, porém divertido!