O caderno Vida e Cidadania do jornal Gazeta do Povo (Paraná) de domingo, 14 de outubro, traz uma imagem, para mim, estarrecedora, símbolo da devastação ambiental e da contaminação de solo, ar e água: um avião vermelho sobrevoa um campo verde, despejando sobre ele uma nuvem branca de puro veneno. O contraste chama a atenção: o vermelho do avião, o verde da soja e branco do veneno.
Abaixo da foto, a seguinte frase: “Tese defendida em 2009 mostrou que somente 1% do produto pulverizado por avião é absorvido pela lavoura. O restante se dissipa pelo ar, água e solo”. A frase condena o uso de veneno, que as indústrias e parte dos consumidores insistem em chamar de agrotóxico, quando não de defensivo agrícola.
Está tramitando na Câmara dos Deputados Projeto de Lei (PL) de minha autoria que proíbe a pulverização aérea de venenos. Assim que vi a foto, lembrei-me do debate sobre o PL ocorrido na Comissão de Agricultura da Câmara. Esta Comissão é majoritariamente composta de deputados ruralistas, que defendem o uso quase indiscriminado de venenos. Essa maioria parlamentar tem uma característica: é arrogante e desrespeitadora de quem pensa diferente, principalmente se esse alguém for uma pessoa, no caso um deputado, mais simples e humilde.
Por ocasião do debate na Câmara, o saudoso, honesto, ético e competente deputado Adão Pretto contou, em sua simplicidade, ao defender o PL, que em uma ocasião, por estar próximo a uma plantação onde o veneno era jogado, havia sido também “polvorizado”.
Parte dos deputados, que só defende os ricos comerciantes da agricultura, ao invés de se ater ao mérito do projeto, passou a fazer chistes da fala e do falar de Adão. Ao terem esse comportamento, provaram mais uma vez o quanto são desrespeitosos. Provaram também o quanto são ignorantes.
“Pó”, em espanhol, é polvo. E se o veneno foi jogado de avião sobre Adão, ele realmente foi “polvorizado”. Segundo o Houaiss, “polvilhar” é lançar pó sobre algo ou sobre alguém, portanto Adão Pretto foi “polvilhado”, foi polvorizado.
Ao ler a matéria ilustrada da Gazeta do Povo, o bom leitor compreenderá que o texto condena o uso de agrotóxicos. Condena tanto a quantidade como a qualidade. Chama a atenção para o fato de que, na agricultura brasileira, usam-se pelo menos 22 produtos químicos proibidos pela União Européia e pelos Estados Unidos da América. Entre estes produtos está o endossulfam, banido na União Européia desde 1985, enquanto aqui se fala em bani-lo apenas no próximo ano, 2013. Lá também é banida a pulverização aérea.
Importante lembrar que os agrotóxicos foram desenvolvidos na Primeira Guerra Mundial e utilizados mais amplamente na Segunda, como arma química. Portanto, foram desenvolvidos para matar gente. Com o fim da guerra veio a pergunta: que fazer com a tecnologia desenvolvida? A solução foi transformar essas armas químicas em “defensivos agrícolas”.
O primeiro veneno foi fabricado em 1874, por Othomar Zeidler, que sintetizou o composto orgânico DDT. Porém só em 1939 Paul Muller descobriu suas propriedades inseticidas. Por sua descoberta e posterior aplicação no combate a insetos, Muller recebeu o prêmio Nobel de Química em 1948. Hoje o uso do composto é proibido, pois se descobriu que ele – como todos os compostos organoclorados – é cancerígeno e cumulativo no organismo.
Na matéria da Gazeta do Povo, é publicizada a tese de doutorado, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), segundo a qual, além de prejudicial à saúde, a prática de jogar veneno de avião é ineficaz: somente 1% do produto aplicado atinge o alvo, o restante vai para o ar, a água e o solo. Parafraseando Adão Pretto, poderíamos dizer que parte dos 99% vai “polverizar” os animais e as pessoas.