Que vai deixando de ser Sampa, perdendo pouco a pouco esta derradeira nomeação poético-musical, por uma aproximação já tão distante do não menos jurássico samba dos anos 70, também em seus últimos estertores via aquele tropicalismo caetaneado hoje fossilizado, devidamente relegado ao período pré-cambriano. Tais são nossas vertiginosas distâncias duma cultura remotamente brasileira, submetida a uma feroz assepsia pop, totalmente higienizada daí o bairro chamar-se Higienópolis e que fique bem claro: nada é por acaso, tudo tem sua razão de ser, a exemplo das desnomeações e nomeações retro e supra. Em todo caso, tudo isso faz parte desse infinito parque temático Desacontecimentos Inc..
Outro excelente exemplo é clicar no Canal Brasil (em si mesmo um outro planeta em relação aos demais canais da tevê a cabo) e assistir ao documentário Olhar Estrangeiro (direção de Lúcia Murat, 2006) que, rodado na França, Suécia e EUA, demonstra algo que estamos carecas de saber: o cinema mundial de ontem, hoje e sempre vê o Brasil como um Vastíssimo Clichê. Ou seja, o mesmo parque temático retro e supra, excetuando-se o fato de que neste só existem três lugares, posto que exóticos, românticos e tropicais: o Rio, a Amazônia e Buenos Aires. Por típicas razões de mercado, of course.
O resto do Brasil? Não interessa, logo não existe. Um cineasta francês lascou: São Paulo? Jamais quis conhecer: não tem o charme dos trópicos nem do exclusivamente urbano, porque, neste caso, é igual a qualquer outra grande cidade do Terceiro Mundo: enclaves de super-ricos cercados de pobres por todos os lados.
Já Michael Caine foi mais objetivo e também mais humano ao comentar que as grandes cidades brasileiras não são muito diferentes das norte-americanas, mas o problema todo com elas é a desigualdade social, o visível abismo entre pobres e ricos: Isto é algo que vivo discutindo com meus amigos ricos: olhem, não sou comunista, mas se não distribuírem a riqueza, ela lhes será tomada!, concluiu com um meio sorriso irônico. Para este cavalheiro inglês, sagaz e mundano, a coisa é óbvia.
Tanto quanto para o historiador Perry Anderson, editor da New Left Review, em artigo recente:
Dois estados importantes, cujo peso político-econômico cresce, seguem tangentes. Nem o Brasil nem a Índia pertencem, ainda, ao grupo central das grandes potências. São muito diferentes, mas há três aspectos comuns que levam à separação desses dois países dos grandes. Primeiro, são democracias em sociedades nas quais a maioria da população é pobre desesperadamente pobre, enquanto uma minoria é escandalosamente rica. Dada a competição eleitoral ausente na Rússia ou na China , seus governos não podem ignorar por completo as pressões sociais das massas. Como vêem, para o bom e velho Perry, a coisa também é óbvia.
Ao olhar estrangeiro, o Brasil é um país óbvio: para o general De Gaulle, não era um país sério; para Hitler, o Brasil fazia parte dum punhado de republiquetas corruptas, etc.etc. Enfim, um país indigno.
Mas Tom Jobim definitivamente deixou a questão em aberto: o Brasil não é para amadores.