Luís Cláudio Guedes*
A semana que termina serviu para que se insinuassem no debate nacional os prenúncios daquilo que o presidente Lula pretende que seja o mote da sua sucessão em 2010: a tal disputa plebiscitária que vai comparar o seu período na Presidência com o do antecessor Fernando Henrique Cardoso.
O embate entre o passado e o passado do pretérito, espera o presidente, vai se dar entre a candidata do governo, até aqui a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), e o principal nome da oposição, por enquanto o do governador de São Paulo, José Serra (PSDB).
O momento é propício para botar o bode na sala porque, como esperava o governo, a pré-candidata Dilma se descolou do deputado federal Ciro Gomes (PSB-SP), na segunda posição das pesquisas. Ciro ficou dez pontos atrás da ministra e agora pontua em 13%. Dilma apareceu com 23% das intenções de voto no último Datafolha e se credenciou para o enfrentamento com o tucano Serra, que está bem à frente e, por enquanto, sem ameaças no horizonte eleitoral com 37% das intenções.
Primeiro foi Dilma que, meio assim sem querer querendo, disparou que a sua derrota vai significar um retrocesso para o país. Depois o próprio Lula, em evento com catadores de lixo na quarta-feira, 23/12, em São Paulo, alertou para o risco de estagnação nas conquistas dos movimentos sociais na hipótese de mudança de comando no cenário federal.
Eis aí um resumo antecipado do que será a campanha presidencial de 2010. Lula e o petismo vão com tudo para o convencimento do eleitor sobre o perigo de, uma vez eleito, Serra mandar suspender os programas sociais que hoje fazem a alegria do governo, como perspectiva de manutenção no poder, e dos governados, desde sempre afastado do festim redistributivo.
Quando finalmente chegar a hora de a onça beber água, esse discurso não terá nada desse cerca Lourenço ensaiado agora por Lula e Dilma: a coisa será bem mais explícita. Centenas de milhares de cabos eleitorais do petismo e aliados vão repetir o mantra de que a vitória da oposição será o fim do Bolsa-Família. A ameaça vai pesar sobre a fragilidade causada pela insegurança alimentar de cerca de 12 milhões de famílias. Dá para imaginar o efeito disso?
Lula não vai inovar no quesito chantagem eleitoral. Ele já protagonizou algo dessa sórdida natureza, só que no papel de vítima. Há 20 anos, na disputa eleitoral contra o atual senador Fernando Collor de Mello, os adversários tentavam colar nas costas do petista a imagem do caos econômico, bem antes da fase Lulinha paz e amor. Naquela época, o então presidente da sempre poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mário Amato, ameaçou com a saída maciça de capitais do país caso Lula fosse eleito, procurando fugir de um possível confisco.
Amato chegou a prever a saída de 800 mil empresários do país, em visível exagero. Mas não era só. O cenário era aterrorizador, com a explosão das tensões no campo e nas cidades, o país no rumo inevitável de chegar à guerra civil. Sem falar na ameaça de confisco da poupança, que Collor ironicamente atribuiu a Lula e acabou ele mesmo fazendo pelas mãos da ministra Zélia Cardoso de Mello, de triste memória.
Na disputa com o mesmo Serra, em 2002, a chantagem voltou ao centro do debate no famoso comercial em que a atriz Regina Duarte falava dos seus “medos” sobre os perigos para o país da eventual perda das conquistas da estabilidade conquistada com o Plano Real. Para 2010, o roteiro é o mesmo. Só que agora saem as conquistas do Real e entra o Bolsa-Família como perda potencial da vez e a ameaça do país retornar à fase pré-diluviana. Em conclusão: não importa quem está no governo. O que eles querem mesmo é garantir a permanência no poder.
Na disputa de 2006, entre Lula e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o PT deu mostras do que é capaz nesse quesito com a história de que os tucanos voltariam para privatizar as empresas públicas consideradas as joias da coroa, casos do Banco do Brasil e da Petrobras. Alckmin não conseguiu se desvencilhar da armadilha e dançou bonito nas urnas.
Eleição, crianças, é um vale tudo. Agora que Dilma quebrou a barreira dos 20% nas pesquisas será difícil convencer um petista de que há limites éticos para a tentativa de não largar o osso. Serra vai provar do seu próprio veneno. Se é que vai mesmo ser candidato. Ele promete para quando março chegar a decisão do anúncio da sua candidatura. Vai botar a cara na janela e sentir o rumo dos ventos. Até lá, Dilma deverá ter chegado aos sonhados 30% de intenções de votos. Caso tenha juízo, Serra pode não entrar na disputa, como, aliás, já fez em 2006, ao abrir caminho para Alckmin.
O tucano terá bons motivos para exercitar sua já famosa mania de insônia. Mas, por outro lado, quem falou que chantagem ganha eleição? Regina Duarte ficou falando sozinha em 2002. Deu Lula, com chantagem e tudo. Agora que Aécio pulou fora da armadilha de ter que carregar o andor depois do leite derramado, Serra será instado a seguir em frente e enfrentar o forte argumento de Lula e Dilma de que vai pôr um fim na tal farra das conquistas sociais. Não será fácil a vida do tucanato em 2010. O que tem de petista disposto a não entregar a rapadura do bolsa-cargo comissionado não é brincadeira.
Luís Cláudio Guedes, 44 anos, é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e assessor de imprensa. Mais artigos do autor em: http://luisclaudioguedes.uniblog.com.br.