O julgamento do mensalão ainda está nos seus primeiros dias. Mas consolidada a condenação do deputado João Paulo Cunha, do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e de Marcos Valério e seus sócios pelos casos ligados aos dois primeiros, já fica claro o entendimento do Supremo Tribunal Federal para o restante do julgamento. Não quanto a quem vai ser condenado ou absolvido, mas quanto a qual será a linha de raciocínio seguida.
Diante do que se viu até aqui, fica claro que a maioria dos ministros concorda com a tese síntese do Ministério Público de que aquilo a que se chamou de mensalão foi a montagem de um esquema, com uso de dinheiro público, para a compra pelo PT de apoio político ao governo. Ao determinar a conexão dos contratos feitos pelas agências de Valério com o Banco do Brasil – este, por unanimidade, até agora – e a Câmara dos Deputados com o esquema, derrubou a ideia de que o dinheiro que chegou ao PT e aos políticos veio de empréstimos feitos com dinheiro privado. Estabeleceu que houve uso ilegal de dinheiro público.
Ao fazer também a conexão do saque feito por João Paulo – o primeiro político condenado – com o dinheiro desviado pelo esquema, desfaz também uma das teses básicas da defesa – a de que o crime cometido era de caixa 2 eleitoral, dinheiro não declarado na campanha. A maioria dos ministros que votaram até agora considerou a existência de um liame entre o contrato da SMP&B, uma das agências de Marcos Valério, com a Câmara dos Deputados e o saque feito pela mulher de João Paulo no Banco Rural. E a unanimidade viu essa conexão no caso do contrato com o Banco do Brasil e o fundo Visanet. Assim: dinheiro público, não privado; nexo entre os saques feitos por políticos e as vantagens obtidas por Marcos Valério nos órgãos comandados pelo PT nos poderes da República.
Claro: como deputado do próprio PT, então presidente da Câmara, João Paulo não precisava ser comprado para votar em favor do governo. Isso teria sentido com os políticos do PR, do PP e de outros partidos aliados que ainda serão julgados. O que fica claro é o entendimento de que havia ali, nas contas do chamado valerioduto, um dinheiro disponível, para ser sacado e usado conforme as necessidades de cada um.
Pelos raciocínios feitos em seus votos, não parece plausível imaginar julgamentos muito diferentes quando forem analisados os casos dos demais políticos que sacaram dinheiro no valerioduto. O que não se pode ainda prever é o julgamento quanto àqueles que não fizeram tais saques na boca do caixa do Rural. Mais especificamente: quanto à responsabilização de José Genoino e José Dirceu.
Genoino era o presidente do PT quando tudo foi feito. Ele assinou os documentos dos empréstimos. Mas ele diz que assinou apenas de ofício, confiando na solução apresentada a ele pelo então tesoureiro do partido, Delúbio Soares. Mas, quanto a Dirceu, as provas apresentadas são testemunhais. Não dá para saber ainda se os ministros as consideração mais frágeis ou não.
Seja, porém, qual for o desenrolar do julgamento, o que fica claro, com essas primeiras posições consolidadas, é que farsa mesmo foi a repetição nos últimos anos de que o mensalão foi uma farsa. Uma tese construída na mesma medida em que se consolidava no PT a convicção de que o episódio não diminuíra a sua força popular – especialmente a força popular do ex-presidente Lula. No começo, quando Lula sentiu-se fragilizado, chegou a pedir desculpas públicas, e disse que o PT também precisava pedir desculpas. Após a saída de Genoino, assumiu a presidência Tarso Genro com o intuito de reconhecer erros e fazer o que chamava de “refundação do PT”. Tarso acabou deixando o comando do PT, por pressão de José Dirceu. A popularidade de Lula cresceu não em função do caso chamado de mensalão, mas pelos acertos de seu governo na condução da economia e na melhoria da distribuição de renda. Mas, enquanto essa popularidade crescia, cresceu também a ideia de que se poderia criar a ideia de que o mensalão fora uma farsa, movida por um esforço oposicionista da imprensa.
O esforço oposicionista há, de fato, de parte – não do todo – da imprensa. Mas é uma tolice a essa altura querer atribuir a tendência do julgamento do mensalão a uma ação da tal “imprensa golpista”. A ampla maioria dos ministros do STF foi indicada por Lula e por Dilma Rousseff. Até mesmo Antonio Dias Toffoli, ex-advogado do próprio PT e ex-advogado-geral da União de Lula, votou pela condenação de Henrique Pizzolato e Marcos Valério no caso do contrato com o Banco do Brasil e o Visanet.
Espera-se, depois, que o rigor condenatório seja o mesmo quando a Justiça debruçar-se também sobre os mensalões do PSDB e do DEM. Aí, ficará claro o seguinte: em vez do discurso político tentado pela cúpula petista, o que haverá é a certeza do avanço da sociedade brasileira quanto à intolerância com a corrupção pública. Seja qual for a cor da bandeira e o tamanho da estrela de quem cometê-la.