Frequentemente, a imprensa alerta a sociedade brasileira a respeito do excesso de medidas provisórias editadas pelo governo. Este fato promove uma verdadeira asfixia do Congresso Nacional, que é um poder constituído e essencial para a democracia em nosso país. Com a pauta abarrotadas de MPs, a consequência natural é uma certa letargia legislativa, uma vez que as medidas provisórias ganham prioridade na pauta de análise dos congressistas.
Eis uma realidade preocupante, mas que precisa ser enfrentada sem receios. E o que origina e alimenta esse processo de decisão questionável? Há alguns aspectos que merecem reflexão.
As tarefas fundamentais da atividade de um deputado/senador devem ser: primeiro, a de legislar. Isto é, discutir e votar matérias (do Executivo e do próprio corpo legislativo), além de propor projetos e emendas. E nesse campo há um infindável conjunto de múltiplos temas que demandam permanente exame. Afinal, a sociedade é dinâmica e o Direito Positivo deve estar sempre preparado para acolher a necessidade de alteração das leis.
Além desse dever, cabe sim ao parlamentar o papel de fiscalizador das ações do Poder Executivo. Acompanhar a execução do orçamento público. Bem com manter e cultivar permanente diálogo com a sociedade civil (organizada ou não), para dela extrair opiniões e por ela lutar e se associar aos seus pleitos e anseios num movimento de permanente interlocução.
Esses três ingredientes, somados, produzem um parlamentar ideal. Aplicável a qualquer esfera federativa.
No entanto, no âmbito federal há sérios fatores que vêm entravando o desempenho dessas funções. O principal deles é a avalanche de medidas provisórias (MPs) emitidas pelo Executivo. Algo que está desvirtuado, seja pela quantidade excessiva (na maioria das vezes não atendendo os critérios constitucionais de urgência e relevância); seja pela permanente agressão à boa técnica legislativa ao incluir num mesmo texto legal temas os mais diversos e distintos, o que é um absurdo.
Como se sabe, a medida provisória é um instrumento para situações excepcionais. E, portanto, tem mais velocidade na tramitação no Congresso (até porque já entrou em vigor e provocou efeitos). Ocorre que, após 45 dias, a pauta fica trancada e nada mais se vota sobre leis ordinárias.
Como são muitas, faz-se uma fila, prejudicando a votação de outras matérias. Pergunta-se: mas não poderia a MP ter sido apreciada antes dos 45 minutos do segundo tempo? Certamente que sim. Mas isso não acontece pois o governo só define o relator em cima da hora. E o relatório é lido na própria sessão na qual será votado.
Isso acaba prejudicando o debate e muitas vezes surpreendendo a todos ao incluir mais e novos temas extras. O fato é que, nesses quatro meses de mandato, a Câmara dos Deputados analisou 20 medidas provisórias provenientes no governo Lula, e não votou nenhuma das 13 MPs editadas no governo Dilma. Ou seja, até agosto a pauta estará tomada por elas. Sem contar as vindouras…
O importante é que, por meio deste expediente, o governo consegue diminuir bastante a agenda própria do Parlamento. São centenas de projetos que poderiam ser deliberados e não o são, pois a fila está repleta de MPs (que têm primazia legislativa). O drama é que esta receita não vem de hoje. O que tem sido útil ao Executivo.
Mas o nosso Congresso tem também a sua responsabilidade. É simplesmente vergonhoso que os vetos apostos pelo Executivo aos projetos não sejam apreciados no prazo constitucional de 30 dias (metade mais um da Câmara e do Senado derrubam o veto).
Simplesmente, por um artifício regimental menor, não são pautados com a regularidade indicada (há mais de 2 mil itens para votarmos). O que é perverso, pois a palavra final do processo legislativo que é do Parlamento – não é dada. Numa espécie de abdicação autofágica de poder. Gerando inclusive insegurança no mundo jurídico.
A conclusão inexorável é de que precisamos rever os ritos e métodos, muitas vezes pré-históricos e dignos do homem de Neandertal. É urgente incorporar os meios digitais aos processos decisórios no Parlamento. Um projeto para ser deliberado corretamente, precisa ter sido examinado por comissões sim, ter sido debatido (em qualquer sessão), ter passado por um processo de negociação para construção ou não de consenso.
Feito isso, por que não fixar um prazo para o parlamentar votá-lo por meio digital (um dia que seja)? Ao invés de vê-lo se dirigir para o sepulcro de uma fila infindável. Quantas não foram e são as boas idéias que poderiam ter prosperado e aperfeiçoado e inovado as leis brasileiras?
É hora de o Congresso brasileiro acordar para o imperativo do século XXI: o mundo digital. A boa notícia é que toda a sorte de alterações de métodos que clamam urgência está nas mãos do próprio Congresso. O tempo urge. Ou será que teremos de esperar por uma iniciativa dos outros poderes da República?