Álvaro Sólon de França*
A intenção parece nobre: garantir competitividade à indústria brasileira, fortalecer o mercado nacional, assegurar empregos – tudo isso em um cenário de crise internacional de contornos ainda indefinidos. Essas são algumas justificativas para as recentes, e progressivas, medidas de desoneração da folha de pagamentos anunciadas pelo governo federal dentro do Plano Brasil Maior.
Que o país precisa de indústrias fortes e competitivas, não há a menor dúvida. Fica, porém, o questionamento quanto à forma e às consequências das medidas para atingir tal meta. Será a redução, ou a retirada, da contribuição previdenciária das empresas sobre a folha um bom caminho?
Vale ainda outro questionamento: a fórmula que se pretende usar não equivaleria a empregar recursos que pertencem à classe assalariada para subsidiar a indústria? Subsídios com função predominantemente social, adotados com a aprovação da sociedade por meio do Legislativo, são legítimos – e ainda assim foco de distorções. Mas subsidiar a indústria parece algo temerário para um país com tantas carências na área social. É lógico que sempre se irá argumentar que tais medidas visam à ampliação do número de vagas de emprego, mas este parece não ter sido o efeito alcançado em outros países que adotaram soluções semelhantes. Além do mais, fica evidente que ainda é preciso aprender que capitalismo implica risco e que é indispensável e urgente estancar de uma vez por todas o paternalismo de Estado.
Para responder a questões tão complexas, é necessário entender o contexto maior da Previdência Social brasileira. Muita coisa aconteceu da década de 1920, quando a Lei Eloy Chaves estabeleceu a Caixa de Aposentadorias e Pensões, até a Constituição Federal de 1988, que incluiu a Previdência Social como parte de um sistema maior.
Hoje, a Previdência é integrante de um tripé que, ao lado de saúde e assistência social, forma a Seguridade Social. Esse modelo inclui um conjunto de conquistas não deste ou daquele segmento, mas de toda a sociedade brasileira, que ao longo desses anos construiu uma rede de proteção em volta do cidadão. Nada mais justo, já que é ele, trabalhador, como indivíduo, o elo mais fraco da cadeia econômica.
A Seguridade Social, como conquista, só é efetiva com recursos. De nada adianta falar em Previdência Social, em saúde ou em assistência social sem os recursos suficientes para financiar as referidas iniciativas. Quanto a isso, a Constituição cidadã de 1988 é clara, em seu artigo 195, ao estabelecer que o financiamento da Seguridade Social é advindo da sociedade, por diversas fontes de custeio.
É nesse ponto que a pergunta sobre a desoneração da folha de pagamentos deve ser feita. Eliminar contribuições patronais significa, diretamente, retirar recursos da Seguridade Social. O fato não é novo: há décadas o país convive com tentativas esporádicas de setores específicos de alterar as conquistas sociais.
Embora as regras que criaram as atuais desonerações prevejam, em tese, a reposição de recursos para o Fundo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), os valores serão advindos do próprio orçamento da Seguridade Social e haverá uma efetiva redução dos recursos para o financiamento de todo o sistema (saúde, previdência e assistência social), tendo em vista que será realizada com os próprios recursos da Seguridade Social. Caracteriza-se, assim, uma falsa reposição.
Historicamente, já há anualmente uma constante renúncia fiscal do RGPS, que somente em 2011 atingiu a cifra de R$ 21,12 bilhões e, no período de 2005 a 2011, alcançou a importância de R$ 114,25 bilhões, valores que representam 50% de toda a arrecadação da folha de pagamentos de 2011 (R$ 245 bilhões).
Especificamente em relação ao Plano Brasil Maior, referente à desoneração da folha, somente para este ano, além das renúncias fiscais, conforme o projeto do governo enviado ao Congresso, ter-se-ia uma desoneração no valor de R$ 7,06 bilhões. Porém, com alterações propostas pelo Congresso, esse valor poderá ultrapassar os R$ 10 bilhões.
O saldo disso tudo é a preocupação real com a possibilidade de prejuízos para o caixa da Seguridade Social, que há tempos vem sendo desviado para outras finalidades. Vale também um questionamento prático quanto à validade da desoneração como medida de incentivo econômico, já que a mídia está repleta de notícias sobre a possibilidade de demissões em massa justamente em setores beneficiados pela mesma desoneração.
Isso porque as metas do mercado nem sempre são as mesmas da sociedade. As regras que regem a administração de uma grande indústria – voltadas para a redução máxima das despesas e o aumento exponencial do lucro – não podem ser aplicadas na gestão da Seguridade Social. Aqui, muito mais do que valores, tratamos de vidas. O sistema de proteção brasileiro, em vez de atacado, deve ser protegido e dignificado como um diferencial positivo dentro do modelo capitalista.
Se o Brasil tem hoje uma economia em crescente importância no panorama internacional é exatamente porque, antes, construiu um sistema de Seguridade Social que oferece aos cidadãos a segurança necessária para atuarem nessa mesma economia. Crescimento e competitividade sempre, mas sem atacar os direitos conquistados pela sociedade brasileira.
*Presidente da ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil
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