José Rodrigues Filho *
Ao tratar dos problemas da administração da justiça nos Estados Unidos, no inicio do século passado, William Willoughby, em sua obra sobre administração judicial, expressou que não existe nenhuma razão válida para que o trabalho judicial de um governo não deva ser desempenhado com a mesma eficiência e economia do que é exigido nas atividades administrativas e legislativas, mesmo reconhecendo que as cortes são organizações complexas com suas peculiaridades.
No Brasil, como em vários países da velha Europa, as atividades do Judiciário são quase que desconhecidas, sobretudo do ponto de vista administrativo. Pouco se conhece da aplicação dos estudos organizacionais no âmbito dos sistemas judiciais. Portanto, durante as últimas décadas o campo da administração pública, na maioria dos países da Europa, negligenciou a administração das cortes ou das instituições judiciais. A partir dos anos 90, diante da influência da Inglaterra, é que se começou um movimento de mudanças nos demais países europeus, tendo em 1999 sido realizado uma conferência sobre administração e distribuição da justiça, com a participação de juízes, acadêmicos e tomadores de decisões e com o objetivo de se desenvolver uma perspectiva nas instituições judiciais, esquecida durante muitos anos pela administração pública.
Por conta disto, a literatura tem comentado que muitas das organizações judiciais negligenciam as modernas teorias das organizações e adotam modelos organizacionais paramilitares, altamente burocráticos, arcaicos e rígidos, ainda presos às visões tradicionais de Taylor e Fayol.
No Brasil, a situação é pior e são quase que desconhecidos os estudos organizacionais nas instituições judiciais, ao contrário do que acontece com outras organizações públicas e privadas. Os últimos acontecimentos demonstraram que a questão não é só da administração propriamente dita, diante das denúncias de corrupção e de que centenas de servidores públicos do Judiciário tinham recebido quantias “atípicas”, além de comentários duros, chocantes e surpreendentes para toda a sociedade brasileira, de que existe algo errado “escondido por trás das togas”. Assim sendo, questões éticas começaram a ser expostas no Judiciário brasileiro.
Diante disso, tivemos um dos mais importantes acontecimentos dos últimos séculos, neste país, nos últimos dias, envolvendo as instituições judiciais e a administração pública, quando a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal votou pela transparência no âmbito das instituições judiciais. Esse fato abre um espaço para que os estudos organizacionais sejam utilizados no âmbito das instituições judiciais. Além disso, ficou demonstrado que a maioria dos juízes e promotores de justiça brasileiros quer mudanças e lutar por uma melhor distribuição da justiça.
Contudo, isso não aconteceu sem que alguém tivesse colocado a sua própria vida a um sacrifício de proporções incalculáveis. No inicio do século passado, Roscoe Pound lançou um manifesto nos Estados Unidos perante a Ordem dos Advogados daquele país, intitulado “As causas da insatisfação popular com a administração da justiça”, no momento em que as cortes americanas eram consideradas como reinos feudais. A partir daí, houve um avanço na administração judicial americana para combater as mazelas do sistema existente. Com isto, Roscoe Pound foi considerado como sendo o pai espiritual da administração judicial nos Estados Unidos.
Aqui no Brasil, podemos dizer que a ministra Eliana Calmon é a mãe espiritual não só da administração judicial como também da transparência, moralidade e ética. Sem a sua coragem e o seu sacrifício, hoje não tínhamos nada a comemorar. Nesse sentido, nós acadêmicos e estudiosos da administração pública e dos estudos organizacionais devemos não só considerar mas também homenagear a Ministra Eliana Calmon como a mãe espiritual da administração judicial deste país.
*Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. http://jrodriguesfilho.blogspot.com/