Em 17 de junho, o ministro de Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, deu um “ultimatum” ao Brasil para formar, até o dia 15 de setembro, uma comissão conciliadora sobre o caso Battisti, com base na Convenção Fernandes-Fornari de 1954. Em seus 57 anos de vida, esta convenção nunca foi usada, pois ela só faz sentido para assuntos não previstos em tratados. Quando existe um tratado sobre algum assunto (comercial, militar, demográfico, etc.), ele é o único instrumento para acertar a questão. Neste caso, o assunto é uma extradição, e o tratado de extradição entre o Brasil e a Itália já foi usado, fechando a questão. Portanto, a formação dessa comissão é, para usar um termo educado, absurda.
O caso Battisti ficou encerrado em 31 de dezembro de 2010, com o decreto do presidente Lula da Silva recusando a extradição. Se a prisão de Battisti durou até junho, isso foi por espírito de vingança dos inquisidores, como enfatizou o eminente Dalmo Dallari. Aliás, embora fosse por razões pouco claras, até dois juízes que votaram pela extradição em 2009 decidiram reconhecer a recusa de Lula. O Brasil exerce seu direito de receber estrangeiros em seu território, um direito respeitado no mundo ocidental desde, pelo menos, a Paz de Westphalia (1648).
No começo, até alguns diplomatas argumentaram que a comissão não faria sentido, porque os demandantes exigiam a extradição e não uma conciliação. A observação era óbvia: uma negociação é um processo em que ambas as partes cedem alguma coisa. Entretanto, o que seria extraditar a “metade” de uma pessoa?
Como o Itamaraty não respondeu, Frattini continuou ameaçando: se o Brasil não escolhesse seu representante, iria com sua queixa à Haia. O chanceler brasileiro, Antonio Patriota, deixou passar a data limite, mas aceitou falar com Frattini nos dias 22 e 23 de setembro durante a Assembleia das Nações Unidas. No final de setembro, o titular da Farnesina (MRE da Itália) disse que tinha encontrado um canal de negociação com o Brasil.
Apesar de possuir a força do dinheiro, as armas, a mídia, e uma legião de mercenários das mais diversas “especialidades” jurídicas, a Itália tinha fracassado em obter a extradição. Agora, a nova investida de Frattini exige formar uma comissão que não pode existir, porque a convenção de 1954 não é válida quando há tratados sobre o tema.
Mas o fato mais curioso é a docilidade de Itamaraty para entrar num processo que, desde junho de 2011, tinha sido qualificado como “impossível de acontecer” pelos mais prestigiosos juristas e políticos, por causa de sua absoluta falta de sentido. É difícil entender o que o Itamaraty se propõe com essa curiosa “negociação”.
Não apenas no Brasil, mas na enorme maioria dos países, os processos diplomáticos são obscuros e totalmente inacessíveis a quem não faça parte do “esquema”. Apesar do elitismo e intocabilidade dos judiciários, pelo menos suas deliberações são públicas e, embora isso não evite as fraudes (como sabem muito bem os que acompanharam as primeiras fases deste caso), as torna mais difíceis. Uma comissão diplomática é algo absolutamente críptico, cujo resultado se conhece geralmente quando seus efeitos são irreversíveis.
Uma “negociação” sigilosa que pode estender-se por um ano ou mais, pode ser (quem sabe?) um instrumento eficiente para apagar a memória dos milhares de resistentes contra a extradição. Lembremos que o ministro de justiça do governo Prodi, o pitoresco Clemente Mastella, disse aos linchadores italianos que tinha enganado os brasileiros (fregato i brasiliani), contando que a prisão perpétua não era aplicada na vida real. Dentro de um ano, se a memória do caso Battisti fosse esquecida, Frattini, muito mais culto e inteligente que Mastella, pode prometer qualquer benefício imaginário para Battisti, até a impossível revisão da sua condena.
Battisti teve o maior apoio de celebridades esclarecidas e de movimentos populares já visto para alguém alvo de perseguição na história da América Latina. Mas, após sua soltura em 8 de junho, alguns deles parecem considerar a vitória consolidada. O mais provável é que estejam certos. Entretanto, os fenômenos sociais e políticos nunca podem ser previstos com certeza, e uma vigilância discreta e permanente é necessária.
O que a máfia fascio-stalinista mais deseja é que nos consideremos vitoriosos e relaxemos.
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