Márcia Denser *
A propósito dos melhores da nossa literatura, aproveitando para ampliar o recorte no tempo e no espaço, vou me reportar a duas antologias de autores brasileiros que acabam de sair este mês, uma na Hungria, outra na Argentina. Lançadas em países tão diferentes entre si e recebendo de seus organizadores abordagens quase opostas, pode-se concluir que nossa literatura possui textos de caráter universal – que é a condição de sua excelência –, tanto canônicos quanto contemporâneos.
Ou seja, como sempre, nossas artes e letras vão muito bem, obrigado, aqui e lá fora, ao contrário de nossos políticos, objeto de eterna vergonha nacional e internacional.
A coletânea húngara Antologia do moderno conto brasileiro (A modern Brazil elbeszélé, Prae.Hu, Budapest,2007) tem seleção, introdução e biografias dos autores assinadas por José Augusto Lindgren Alves, embaixador brasileiro em Budapeste, que, já pela terceira vez, nos publica e divulga no Leste europeu. Quando em Sofia, Bulgária, o embaixador Lindgren organizou e lançou em 2003 Sete contos brasileiros, coletânea bilíngüe ampliada em 2005, Outros contos brasileiros (título original em búlgaro impossível de ser reproduzido em nosso alfabeto).
A antologia de Budapeste constitui uma seleção de autores desde o modernismo, porque para o organizador “foi a partir da Semana de Arte Moderna de 1922 que nossa arte deixou de seguir estritamente os cânones da Europa e levou o Brasil, como nação, a assumir sua verdadeira identidade”. E criar seus próprios cânones, modelos, padrões, a exemplo dessa obra que inclui Alcântara Machado, Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Autran Dourado, Lygia Fagundes Telles, Loyola Brandão, Márcio Souza, Rubem Fonseca, Adélia Prado, Raduan Nassar, Moacyr Scliar, Dalton Trevisan e Márcia Denser (para imensa honra desta colunista).
Do trabalho de Lindgren, fica aqui o exemplo e a sugestão aos demais embaixadores brasileiros espalhados pelo mundo.
Terriblemente felices – nueva narrativa brasileña é a antologia portenha organizada por Cristian De Nápoli (Buenos Aires, Emecé Editores, 2007), que se confessa apaixonado sobretudo pelo Brasil contemporâneo because of as músicas de Caetano e a partir dos anos 80, donde o recorte e a opção pelos contemporâneos numa cronologia que inversamente começa pelos autores de 90/2000 como André Sant’Anna, Marcelino Freire, Cintia Moscovitch, Marçal Aquino, Nelson de Oliveira, parando na década de 80 com Caio Fernando Abreu, João Gilberto Noll, Sérgio Sant’Anna e Márcia Denser.
PublicidadeDe passagem, no prólogo, lamentando a não inclusão de Marcelo Mirisola (entre os novos) Rubem Fonseca, Dalton Trevisan e Loyola Brandão (entre os mais velhos, porque “fora” do recorte). Sei. Porque os brasileiros não só lamentam como acham tais exclusões imperdoáveis: afinal, não se trata do contemporâneo?
Se eternamente o sujeito apresentar apenas os novos autores brasileiros a países que, apesar da proximidade geográfica, desconhecem/desconsideram desde sempre nossa literatura em sua totalidade (como ele próprio admite na introdução) – por razões que aqui não vou enumerar porque não tenho saco – o leitor argentino ficará com uma visão bastante equivocada, unilateral, duma literatura sem tradição, sem fundações e sem fundadores, e isso na melhor das hipóteses!
Do trabalho de Cristian, fica aqui o exemplo e uma advertência aos demais antologistas, nacionais e estrangeiros: literatura sem passado não tem futuro.