“Minha vida sem banho“, o novo livro de Bernardo Ajzenberg, não é um romance de humor que trata de forma hilariante a necessidade a de economizar água a qualquer preço no aqui e agora, embora, numa das vertentes narrativas, seja mais ou menos este o caso de Célio, 30 anos, jovem sensível e funcionário duma ONG (que o autor denomina o instituto), por que tudo começou porque era inverno e o aquecedor estava com defeito. Foi aí.
Ambientalista pós-político, Célio decide não tomar banho (o que ele chama de Projeto), algo que funciona como um exercício minimalista de liberdade, resolução íntima de quem se descobre sem controle algum sobre os fatos importantes da própria vida.
O célebre turning-point dos 30 anos: abandonado pela namorada Débora, irritado pela crise de meia-idade do pai, Waisman, 54, ex-ativista de esquerda, ex-exilado político, que investe na ação política seu projeto de vida e fracassa; sem contar o câncer terminal da mãe, Flora.
A ação se desenrola a partir daí, colocando em cena as várias vozes narrativas, vários pontos de vista: do próprio Célio, de Débora, de Waisman, de Flora e outros, além dum narrador misterioso que só será conhecido ao final, quer dizer, aquilo que dará solução, explicará as razões transversas, liquidando definitivamente o Projeto (não tomar banho) de Célio.
Mas sobre o que é este romance? Definitivamente é sobre os intrincados caminhos do coração humano do qual Bernardo Ajzenberg é profundo e irretocável conhecedor, como soe ocorrer a todo escritor de primeira linha (na boa expressão de William Faulkner).
Afinal, Bera (como intimamente o conhecemos), além de tradutor e jornalista, é autor de mais de uma dezena de livros (“Variações Goldman” – 1998, “A gaiola de Faraday” – 2002, “Homens com mulheres” – 2005, “Olhos secos” – 2009, “Duas novelas” – 2011).
Senhor de um estilo límpido, discreto, extremamente elegante, low-profile, Bernardo é mestre na articulação das grandes estruturas narrativas, constituindo este pequeno livro de 189 páginas uma autêntica obra de relojoaria – tal a precisão e encaixe de todas as peças narrativas.
PublicidadeMas a linguagem não é menos refinada conquanto aguda, ferindo com precisão cirúrgica: “Não compartilho o pessimismo doentio do meu pai, mas posso assegurar o seguinte: ao contrário do que muita gente imagina, sejam as chamadas organizações não governamentais, as instituições artísticas e culturais, sejam as pequenas empresas guiadas por princípios não lucrativos, as seitas políticas ou religiosas, nenhuma dessas organizações está isenta daquilo que viceja em qualquer agrupamento humano, a saber, o escárnio, a traição, a ganância, a hipocrisia, o carreirismo, o cinismo, o maquiavelismo, a inveja, a vaidade, a camuflagem, a impostura, a falsidade, sem falar da estupidez, da pusilanimidade e da simples burrice.
“Em certos casos, essas “qualidades” se acentuam ainda mais por estarem encobertas pelo tecido mais ou menos elegante e transparente de um discurso filosófico, ideológico, humanitário – a Causa ¬– qualquer que seja o seu viés (mais ou menos à direita ou à esquerda, ao centro ou num suposto lugar nenhum). É triste e dolorido porém incontestável. Quanto antes nos dermos conta disso, menos profunda será a inevitável e lastimosa – afinal, também a ingenuidade integra esse quadro – decepção”.
E suma: por mais humanitários e bem-intencionados que sejamos, ninguém está livre de ser uma autêntico filha-da-puta, simplesmente porque somos humanos.
Enfim, é dessas complexas ambigüidades que dá conta nosso irretocável Ajzenberg em mais um romance imperdível.