O trabalho doméstico é uma das profissões mais dignas, entre tantas outras, que são exercidas no Brasil. Por isso, gostaria de usar este espaço para que refletíssemos sobre a realidade desses brasileiros e dessas brasileiras que laboram dentro das residências das famílias de todo o país.
Jovelina era uma empregada doméstica, como milhares de outras. Trabalhou durante vários anos para a mesma família, ajudando a criar os filhos do casal, que hoje são pessoas bem sucedidas na sociedade. Jovelina era muito estimada por todos da casa. Todos a consideravam como um membro da família. Mas toda esta consideração não foi suficiente para que seus patrões assinassem a sua carteira de trabalho e recolhessem as contribuições previdenciárias para que ela pudesse usufruir os direitos dos que são filiados à Previdência Social. Hoje, Jovelina mora num asilo mantido pela caridade alheia, e de seus antigos patrões nem visitas recebe. Eles fazem parte do passado. E o passado é um lugar distante.
O caso de Jovelina é uma estória, mas pode muito bem ilustrar a realidade de milhares de pessoas que trabalharam durante toda vida como empregados domésticos e não tiveram a sua carteira assinada.
O Brasil é um país extremamente injusto nas relações sociais, principalmente com aqueles, mais frágeis, que não têm força junto às esferas de decisão. Segundo dados do Programa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD) referente a 2012, milhões de brasileiros e brasileiras estão excluídos da proteção previdenciária e não irão se aposentar nunca, assim como no infortúnio que os impeça de trabalhar ficarão na dependência de seus familiares ou da caridade alheia. Dentre esses segmentos frágeis estão os empregados domésticos, sobre os quais gostaria de chamar a atenção da sociedade brasileira.
Empregado doméstico é aquele trabalhador que presta serviço na residência de uma pessoa ou família. A atividade desenvolvida, no entanto, não pode ter fins lucrativos. No Brasil, segundo dados PNAD, eles são 6,35 milhões, sendo que 4,45 milhões não possuem carteira assinada e filiação à Previdência Social, ou seja, 70,08%. Estas pessoas trabalham sem a proteção social dentro dos lares brasileiros. Este é um dado negativo sob todos os aspectos: da cidadania, do respeito à dignidade humana e da relação entre pessoas civilizadas.
Milhares de pessoas criticam, com razão, a conduta de maus empresários e desrespeitam a proteção social dentro de seus lares, mas, infelizmente, em relação ao trabalho doméstico, podemos dizer que o Brasil ainda não saiu da senzala.
Mas qual é o perfil destes brasileiros e brasileiras sem proteção social? São 1,98 milhão recebendo uma remuneração indigna de até meio salário mínimo por mês, sendo a sua maioria esmagadora composta de mulheres, numa demonstração clara que a falta de proteção social atinge de maneira brutal o gênero feminino. Merece destaque negativo que 193 mil são adolescentes entre 15 e 17 anos de idade.
Os direitos dos empregados domésticos à proteção previdenciária estão assegurados na nossa Carta Magna no parágrafo único do artigo 7o. Recentemente, o Ministério do Trabalho publicou, no Diário Oficial da União, a Instrução Normativa que detalha os procedimentos para o cumprimento da lei 12964/2014, que prevê multa de ate R$ 805,06 para o patrão que não assinar a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do empregado doméstico. Segundo a norma, a verificação do preenchimento da carteira ocorrerá “preferencialmente” por meio de denúncia anônima, já que a Constituição Federal garante a inviolabilidade do domicílio. O que nos dá certeza de que não basta a garantia constitucional.
É primordial que a sociedade brasileira tenha a consciência que a redução das nossas profundas desigualdades sociais começa dentro da nossa própria casa. Os milhões de empregados domésticos, sem proteção social, trabalhando dentro dos lares espalhados pelo Brasil retratam o tamanho da injustiça social que nasce dentro das nossas residências e dissemina em todas as outras atividades da vida nacional.
Urge que transformemos as senzalas que ainda existem no Brasil em lares onde o respeito ao contrato social e a dignidade não sejam meras figuras de retórica. Por isso, conclamo todos os cidadãos que assinem a carteira de trabalho de seus empregados domésticos e proporcionem a eles o direito inalienável à proteção previdenciária. Afinal, a justiça social começa em casa.
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