Marcos Magalhães |
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Pouca gente notou, em mais um daqueles longos e tediosos debates feitos no Congresso Nacional sobre a implantação do orçamento impositivo. Mas a senha para desativar a bomba relógio do relacionamento entre o Executivo e o Legislativo foi delineada por um antigo colaborador do então presidente Fernando Henrique Cardoso: antes de discutir onde será gasto o dinheiro público, é preciso se alcançar um mínimo entendimento sobre quanto dinheiro estará disponível. Todo ano é a mesma coisa. O governo envia ao Congresso Nacional um projeto de orçamento com previsão de receitas e despesas. Os parlamentares desconfiam e pedem ajuda dos seus técnicos em finanças. A receita, dizem, está subestimada. Então, naturalmente, cabe mais um pouquinho de despesa aqui e ali. Tudo muito bem, se aprova o orçamento e, no ano seguinte, cadê o dinheiro? Aparece a conta-gotas não só para as emendas parlamentares, mas também para as grandes obras públicas. Para evitar isso, se poderia começar pela busca de um entendimento para a definição da estimativa de receita. Não adianta colocar no papel despesas que não poderão ser efetivadas. Uma vez alcançado um mínimo consenso a respeito das perspectivas de receita, poderiam ser definidas regras claras para os casos de arrecadação a mais ou a menos. Desta forma, se poderia saber por que uma dotação foi ou não liberada. Por fim, se passaria a discutir como gastar os recursos públicos. Aí, sim, com liberação garantida pelo governo. As regras – essas ou outras melhores – estariam ali, para todo mundo ver. Mais transparente, o orçamento da União poderia começar a ser levado mais a sério. E ninguém precisaria acompanhar pelos jornais as negociações de votos no Congresso por liberações de verbas que já estão no Orçamento. Transparência demais, porém, às vezes parece atrapalhar. A virtual paralisação da Câmara dos Deputados após as eleições municipais, por conta principalmente da insatisfação com as verbas não liberadas, motivou cartas e mais cartas de leitores indignados com o comportamento dos deputados. Se a revolta se justifica, pelo atraso na discussão de reformas amplamente consideradas importantes para o país, por outro lado aponta a falsidade das regras atuais. As emendas individuais dos deputados e senadores têm muitos opositores e defensores. Muita gente acha, com razão, que os recursos da União deveriam ser aplicados em projetos de alcance nacional – e não em pequenas obras escolhidas pelos parlamentares. Mesmo assim, se elas estão no orçamento é porque foram incluídas em um projeto aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República. Só que as dotações para as emendas individuais, mesmo que incluídas na lei orçamentária, geralmente dependem de negociações políticas para serem realmente liberadas. A disciplina da base governista se conquista nas páginas do Diário Oficial – e não por meio do voto consciente de seus integrantes. O processo de negociação política ganha, para a sociedade, cores de balcão de negócios. Por que não mudar, então? Se estivesse em vigor, o orçamento impositivo – com todas as precauções sobre a viabilidade da receita projetada – tenderia a reduzir ou eliminar as barganhas por recursos públicos. Mas retiraria das mãos do governo um importante instrumento de controle de sua própria base. Por isso, não dá para pensar em uma mudança isolada nas normas de tramitação do projeto de orçamento. Ela precisaria vir acompanhada de uma alteração de regras do próprio jogo político, por meio do fortalecimento dos partidos e de regras que permitam a construção de sólidas maiorias no Legislativo. Desta forma, o governo se liberaria da necessidade de negociar, no varejo, cada votação importante. Aqui também, no entanto, as intenções muitas vezes permanecem assim mesmo, só como intenções. |