Arnaldo Jardim*
Combustível limpo e renovável, economicamente viável na substituição aos derivados fósseis causadores do efeito estufa, o álcool ganhou destaque na agenda do presidente Bush no Brasil. Diante do papel estratégico que poderá desempenhar na matriz energética mundial, as vantagens do setor sucroalcooleiro nacional têm atraído investidores norte-americanos, europeus, latino-americanos e asiáticos.
A pretensão européia de suprir 20% do mercado de combustíveis com etanol até 2030, aliada ao desejo do presidente Bush de cortar em 20% o uso de combustíveis fósseis em dez anos, pode justificar o entusiasmo, mas não garantem lugar cativo para o Brasil neste mercado pujante.
O governo deve aproveitar a visita de Bush para reverter as barreiras alfandegárias à importação do nosso álcool, sob o qual incide uma tarifa protecionista de US$ 0,54 por galão, o que praticamente inviabiliza exportações fora do regime de quotas fixado pelos EUA.
A leniência norte-americana em relação à América Latina também deve ter destaque, pois os EUA têm demonstrado mais interesse em acordos bilaterais para enfraquecer o Mercosul do que em elaborar uma política comercial para os países do continente americano. No caso do álcool, faz-se necessária uma parceria entre Brasil e EUA, que juntos detêm três quartos da produção mundial, para fornecer know-how a países da América Central e Caribe, produtores de açúcar de cana, no sentido de aumentar a quantidade de fornecedores deste biocombustível.
Também cabe relembrar o posicionamento obtuso da administração Bush em relação à ratificação do Protocolo de Kyoto. Apesar do recente recuo, Bush precisa sair da retórica e partir para a prática, adotando metas que limitem as emissões norte-americanas de poluentes.
Além disso, é fundamental entender que o papel estratégico de complementaridade do álcool em relação aos derivados do petróleo, estabelecendo uma padronização internacional para transformá-lo em commodity e assim melhor disseminar suas vantagens econômicas e ambientais pelo mundo.
Em sintonia à questão internacional, é fundamental implantarmos medidas estruturais de mercado no Brasil, como estoques reguladores administrados pela iniciativa privada, contratos de comercialização de longo prazo, carga tributária unificada em todo território nacional; de financiamento da produção, garantindo recursos para pesquisa e desenvolvimento, maquinário e seguro rural para financiar a safra; além de investimentos em logística, com alcooldutos, ferrovias e hidrovias, para baratear e melhorar o escoamento da produção.
Concomitantemente, é imperioso justificarmos o título de "energia renovável", ou seja, evitar a contaminação dos solos e lençóis freáticos pelo uso de fertilizantes e pesticidas; a derrubada de matas ciliares; o aumento da erosão; garantir melhores relações de trabalho, entre a indústria e os trabalhadores; reduzir o uso da queima na colheita; e – o mais importante – preservar a água. O Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação fez o alerta: dentro de 20 anos, 60% da população mundial vão sofrer com a escassez de água.
Para atender a esse desafio, é fundamental agregarmos novos processos de produção mais limpos e eficientes; otimizando ainda mais a produtividade por hectare, melhorando a tecnologia das máquinas para evitar a compactação do solo e possibilitar seu uso em áreas de maior inclinação; incorporar novos processos como gaseificação e uso da celulose da planta, que podem dobrar a capacidade de produção das usinas; adotar o reuso da água em técnicas de irrigação; estimular o tratamento dos resíduos como a vinhaça; incentivar o rodízio do solo para evitar seu empobrecimento; fortalecer mecanismos como o Consecana; além de garantir uma maior participação da biomassa na matriz energética em complementariedade à hidroeletricidade.
A visita de Bush, a realização da Feicana e o início da safra na região Centro-Sul evidenciam uma curva ascendente que impulsiona um círculo virtuoso em toda economia. Entretanto, os desafios não se extinguem diante das boas perspectivas. É preciso expandir nossa experiência vanguardista, aliando crescimento econômico à sustentabilidade ambiental.
*Deputado federal pelo PPS-SP e membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.