Fábio Góis
Reportagem publicada pelo Congresso em Foco em 24 de novembro mostrou alguns dos efeitos da combinação entre inépcia institucional e a briga de poder na Polícia do Senado. De um lado, o policial legislativo Rubens de Araújo Lima, que matou o pitbull do vizinho com sua arma particular; de outro, a cúpula administrativa do Senado. A disputa é temperada com acusações cruzadas de assédio moral, perseguição, truculência e abuso de prerrogativas funcionais. E, no extremo, um relatório da Advocacia Geral sobre o caso repousa desde julho na Primeira Secretaria da Casa. Trata-se de um parecer que, resultado de um processo administrativo disciplinar, teria evitado a intensificação de um cenário de denúncias, revanchismo e trocas de ofensa se tivesse sido rapidamente apreciado pela Primeira Secretaria.
Encerrado o ano legislativo na quarta-feira passada (22), nenhuma providência foi tomada pelo primeiro secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI). Como não conseguiu se reeleger em outubro, Heráclito deixou a situação para seu sucessor. Sua assessoria de imprensa afirmou que, para o senador, o próximo primeiro-secretário terá mais tempo para fazer uma análise mais fundamentada.
A disputa na polícia institucional apenas chegou a incomodar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), responsável pela indicação do diretor do órgão. E irritou alguns envolvidos no caso. Em 24 de novembro, quando a reportagem foi veiculada, uma reunião administrativa colocou no gabinete da Presidência o diretor da Polícia Legislativa, Pedro Ricardo Araújo Carvalho, o diretor-geral, Haroldo Tajra, o advogado-geral, Luiz Fernando Bandeira de Mello, e o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI). A partir de então, segundo relatos de pessoas próximas à cúpula administrativa, houve determinação para que o caso fosse concluído sem mais desgastes.
Um ex-diretor do Senado que prefere não se identificar apontou o caráter de “revanchismo” entre os envolvidos no imbróglio. Com 20 anos de serviços prestados à Casa, diz acreditar que uma decisão sobre o caso agora se impõe. “O que aconteceria, nessas situações, é virar a Mesa [renovar os senadores componentes] e engavetar o processo. Mas agora, depois dessa reportagem, a Mesa vai ter de responder. Essa foi uma omissão das piores”.
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Cuidado
O ex-diretor diz até acreditar no “caráter persecutório” do episódio, mas fez questão de enfatizar sua neutralidade. Para o servidor, é preciso cuidado para não “jogar o jogo” de quem quer que esteja envolvido na disputa. Ele considera ainda que há excessos de ambos os lados, e que apenas a cúpula administrativa pode estancar um mal-estar que perdura há décadas do departamento de segurança.
Em nota encaminhada à redação, a Presidência do Senado negou a abordagem do assunto na reunião mencionada, e alegou que, “por sua natureza”, a questão tem sido “conduzida na esfera da administração do Senado”. Segundo a assessoria, “a questão relacionada ao policial legislativo Araújo Lima corre por duas vias: uma administrativa (Diretoria Geral), outra judicial (ação iniciada pelo referido policial legislativo)”.
Questionado pela reportagem, José Sarney declarou, por meio da assessoria, que a devida apuração dos fatos será feita “pelas vias administrativa e judicial”. Cotado para o exercício de um quarto mandato na Presidência do Senado, o peemedebista disse ainda acreditar que o problema não representa riscos à “credibilidade ou o funcionamento” da polícia legislativa.
Dossiê
Ex-fuzileiro naval e bombeiro, Rubens diz que tem sido perseguido pela cúpula administrativa do Senado. Com e-mail funcional bloqueado, insígnias e armas de policial confiscadas e processado por faltas ao serviço e insubordinação com menções de postura agressiva, como atesta comissão de sindicância, levou ao conhecimento da Mesa Diretora uma espécie de dossiê (requerimento nº 029249/10-4) em que relata o caso. “Protocolo todos os documentos, porque os atos administrativos têm de ser fundamentados em pressupostos básicos”, disse Rubens à reportagem.
O relatório final entregue à Primeiro Secretaria há quase cinco meses rebate cada uma das acusações do servidor, e ainda registra um longo histórico sobre o acusador. Como determina a Lei nº 8.112/90, que rege o funcionalismo público, a comissão foi formada por três servidores de igual ou superior graduação acadêmica em relação ao investigado. O grupo decidiu recomendar a suspensão do servidor, por período que ainda cabe à Primeira Secretaria decidir. Vai ficar para 2011.
À disposição da Casa
A manifestação mais recente da Primeira Secretaria sobre o caso é a Portaria nº 41/2010, assinada por Heráclito em 10 de junho de 2010 e publicada no Boletim Administrativo de Pessoal nº 4477, do dia 14 do mesmo mês. Em decisão referente ao processo 00.9.234/10-1, em que Rubens é acusado de não se dirigir ao novo posto de trabalho, o senador determina o afastamento do servidor por 60 dias a partir da publicação do ato, “sem prejuízo de remuneração”, mas com restrição de acesso do servidor às dependências do Senado, “visando a manutenção da ordem e disciplina”. O policial já cumpriu o afastamento e voltou ao trabalho sem armas, identificação e ainda com o correio eletrônico funcional bloqueado.
“Isso começou porque o diretor [Pedro Ricardo] se sentiu ameaçado no cargo, e resolveu deflagrar uma perseguição pessoal, colocando a administração da Casa contra mim. A administração só ouve o que diretor fala, mesmo sendo mentiras comprovadas”, reclamou Rubens, que recebeu oferta de defensor gratuito oferecido pelo Senado, mas utiliza advogado próprio. “A intenção dele é me demitir no Senado.”
Um dos advogados que participaram da comissão de sindicância disse considerar Rubens pessoa educada e que tem seus méritos. Mas afirmou crer que ele violou seu dever funcionar ao matar o pitbull.
Impunidade
Diretor da Secretaria de Polícia Legislativa do Senado, Pedro Ricardo disse à reportagem que “tudo já foi respondido” nas comissões disciplinares instauradas nas esferas competentes da Casa. Para ele, Rubens fere o espírito do serviço público e extrapola suas atribuições ao promover uma campanha para desqualificar a cúpula administrativa, além da própria instituição legislativa.
“É difícil trabalhar e administrar toda uma cidade – e o Senado é uma cidade, todos sabemos – e conviver com esse tipo de situação, com gente que vive na impunidade. Isso é tática dele, tentar desacreditar toda a administração da Casa. Porque, se ele for demitido, ele vai ser tachado de coitadinho, e a imprensa vai atrás”, disse o diretor. Pedro Ricardo entende que o colega padece do “vício do funcionário antigo, o chamado Barnabé, que faz e acontece e não é punido”.
Servidor concursado, há 18 anos, o diretor da Polícia ironiza o ingresso de Rubens. “Ele é que entrou pelo trem da alegria, em 1988”, critica Pedro Richardo.
Pedro Ricardo declarou ainda que, depois de Rubens ter sido rejeitado em gabinetes de senadores e setores da Casa, foi ele mesmo, já na condição de diretor da polícia, que o aceitou de volta à atividade de segurança institucional – situação que logo viria a se complicar. “Ele [Rubens] diz que foi bombeiro e fuzileiro e não sabe receber e cumprir uma ordem simples e direta”, comparou, que nega ter ameaçado o colega de morte, como Rubens denuncia no dossiê. “Tanto é que eu mandei abrir um termo circunstanciado no processo.”
Nos autos
Responsável pelas questões jurídicas, o advogado-geral do Senado diz que, a partir de agora, só vai responder aos ataques de Rubens nos autos – postura técnica que inclui não só defesa, diz o advogado, mas interpelações com base na legislação do funcionalismo público.
“Sinceramente, depois dessa última nota dele [o tal “dossiê” protocolado na Mesa], só vou respondê-lo nos autos. Porque quero evitar que isso se transforme em questão pessoal. Não tenho nada contra o cidadão Rubens, e não quero desvirtuar a discussão para expor meus méritos pessoais”, disse Luiz Fernando Bandeira.
Para Bandeira, o dossiê apresentado à Mesa por Rubens sequer terá tramitação. “Isso não vai ter nenhum andamento… trata-se de uma pessoa que desenvolve essa postura agressiva contra a instituição e contra os ocupantes gratuitamente. Não consigo entender onde ele quer chegar com isso. Na verdade ele quer angariar problemas”, completou o advogado.
Mas, para Rubens, o atual quadro de comando do Senado é uma ameaça iminente. “Pelo andar da carruagem, acho que a intenção das autoridades é me demitir. Só não o fizeram ainda porque não encontraram respaldo legal”, observa o servidor, que chegou a recorrer à Justiça Federal para contestar seu deslocamento de função e local de trabalho. Ele foi mandado para o setor de transporte, em um prédio externo ao Senado.
“O próprio juiz federal indeferiu a liminar e, nos despachos, considerou que isso é picuinha administrativa, e que não cabe ao Judiciário intervir”, arrematou Luiz Fernando Bandeira.