Marcos Magalhães |
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Acostumados a prestar atenção aos movimentos de Brasília, para acompanhar as decisões que podem afetar o seu cotidiano, os brasileiros provavelmente terão que esticar o olhar, dentro de pouco tempo, em direção a Montevidéu. A pacata e charmosa capital do Uruguai, que preserva os sinais da antiga riqueza nos prédios distribuídos ao longo da margem do rio da Prata, tem boas chances de sediar o Parlamento do Mercosul, cuja criação está na pauta do encontro de chefes de Estado do bloco econômico desta semana, em Puerto Iguazú, na Argentina. O anteprojeto do Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, discutido inicialmente pela Comissão Parlamentar Conjunta dos integrantes do bloco – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai –, deverá estar nas mãos dos presidentes dos quatro países ainda durante o encontro. Se todos concordarem com a proposta, estará aberto o caminho político para a criação do Legislativo regional, uma antiga promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A escolha de Montevidéu para sede do novo Parlamento tem a simpatia dos assessores mais próximos do presidente Lula para assuntos internacionais. A capital uruguaia, até por se encontrar entre os dois maiores parceiros do bloco econômico, poderia se tornar, segundo os simpatizantes da idéia no Palácio do Planalto, uma versão sul-americana de Bruxelas, onde se encontram os principais órgãos de decisão da União Européia. E para que serviria o Parlamento do Mercosul? Inicialmente, segundo os defensores da proposta, o novo Legislativo teria o mérito de oferecer um local de debates sobre o ainda bastante imperfeito processo de integração. Aos poucos, e à medida que o bloco se consolidasse, a instituição poderia assumir algumas das atribuições hoje reservadas aos congressos nacionais dos quatro sócios. O processo deverá ser longo, como foi o de criação do Parlamento Europeu. Mas a simples decisão política de se criar o Parlamento do Mercosul demonstraria o triunfo dos que defendem a adoção de uma certa supranacionalidade na América do Sul. Grandes temas atualmente discutidos dentro das fronteiras nacionais, como educação, saúde, meio ambiente e crescimento econômico, passariam a ser debatidos em caráter semi-continental. Por uma visão otimista, seriam criados no novo Legislativo blocos partidários não por países, mas por convicções ideológicas. Tudo isso soa como um avanço civilizado em direção a padrões políticos quase europeus, mas entra no debate no momento em que o Mercosul, em si, busca uma definição mais exata de seu papel e de seus limites. Se, por um lado, o México anuncia a intenção de se associar ao bloco e avançam as negociações com a União Européia para o estabelecimento de uma grande área de livre comércio transatlântica, por outro persistem divergências internas que arranham o brilho das novas iniciativas. Para atender aos interesses dos industriais argentinos, que ainda buscam acertar o compasso da produtividade com os colegas brasileiros, Buenos Aires está disposta, por exemplo, a apresentar obstáculos à entrada no país de produtos brasileiros, como os eletrônicos. Um surto de protecionismo como este, apesar da possibilidade de ser aceito pelos parceiros como conseqüência de problemas supostamente temporários, poderia ser um teste para os debates parlamentares. Deputados e senadores brasileiros têm demonstrado, ao longo dos últimos anos, grande simpatia pelo Mercosul. Suas críticas têm como endereço mais freqüente o protecionismo dos Estados Unidos e da Europa. Resta saber como eles se comportariam em um debate com os colegas argentinos em torno de restrições às exportações brasileiras. Se existe aí o risco de conflito, porém, há também uma grande possibilidade: as discussões internas do bloco deixariam de ser debatidas apenas entre quatro paredes, pelos presidentes e seus ministros, para ganhar um foro mais adequado, aberto e transparente, possivelmente às margens do rio da Prata. |