Marcos Magalhães*
Ali pela metade do século 20, o ano 2000 sempre era visto como referência para as previsões de futuro. Como seria o mundo em 2000? Estaria mais para o sonho dourado dos Jetsons ou para o sombrio cenário traçado por pacifistas e ambientalistas? Até o início do último ano do século, não eram muitos os sinais de que alguma nova era estaria chegando. De certa forma, porém, o mundo começou mesmo a mudar em 2000, ano em que aconteceu a primeira eleição de George W. Bush para a presidência dos Estados Unidos. Oito anos mais tarde e às vésperas de uma nova eleição, no entanto, existe quase uma unanimidade na percepção de que a mudança não foi para melhor.
Naquela noite de novembro, em que o pêndulo político norte-americano estava prestes a rumar no sentido dos republicanos, ainda havia muita expectativa em relação aos resultados das eleições. A embaixada dos Estados Unidos montou uma grande festa em Brasília. Na Casa Thomas Jefferson, tradicional estabelecimento de ensino de inglês e difusão da cultura norte-americana, no Lago Sul, centenas de convidados podiam acompanhar por amplos telões os últimos resultados das apurações.
Mais do que isso, cada pessoa que chegava ao local era imediatamente convidada a votar em uma urna eletrônica bem brasileira em Bush ou no candidato democrata, Al Gore. De acordo com suas preferências, os convidados ganhavam ainda bottoms de seu candidato preferido. E podiam debater animadamente as eleições entre goles de Coca-Cola e cachorros quentes.
O resultado em Brasília foi uma goleada a favor de Gore. Nos Estados Unidos, o candidato democrata também ganhou no número de votos – mas perdeu no Colégio Eleitoral, aquele tipo de instituição da qual os brasileiros mais velhos gostam de se esquecer. Se outras eleições fossem simuladas em diversos países da América do Sul ou da Europa, provavelmente o resultado teria sido o mesmo: a vitória de Gore, o ex-vice-presidente de Bill Clinton que depois viria a se dedicar a uma cruzada contra o aquecimento do planeta.
Quem manda nos Estados Unidos, porém, são apenas os norte-americanos, naturalmente. E soa mesmo inútil se perguntar como teria sido o mundo se o resultado da eleição tivesse sido outro. Agora, oito anos mais tarde, existe outra oportunidade, talvez ainda maior, de se mudar o rumo dos Estados Unidos e, de certa forma, do restante do planeta.
De um lado, estará John McCain, um pouco ortodoxo republicano que não evitou criticar o que lhe pareceu errado no governo Bush. Do outro, a grande surpresa das eleições – o senador negro Barack Obama, que atropelou o favoritismo de Hillary Clinton e já fez história ao superar, até aqui, outro grande rival: o preconceito racial.
Se novas urnas eletrônicas forem instaladas em Brasília ou em outras capitais sul-americanas, muito provavelmente a vitória será mais uma vez dos democratas. O mesmo ocorreria na maioria das capitais européias, ou mesmo nas maiores cidades africanas, que passariam a ter em Obama uma referência com a qual nunca pensaram que poderiam contar.
As eleições deste ano podem ajudar os Estados Unidos a superar aquela que seja, talvez, a maior onda de anti-americanismo da história em todo o mundo. Os americanos gostam de exaltar sua capacidade de liderança mundial, com base não apenas em seu poderio militar e econômico, mas também no que chamam de soft power – ou seja, o poder das idéias, da cultura, do exemplo. Mas quem andar pelo mundo hoje ouvindo a opinião popular sobre os Estados Unidos de Bush provavelmente vai recolher duras queixas contra o militarismo, a falta de diálogo e a postura norte-americana em relação a temas sensíveis, como o meio ambiente.
Para mudar esse quadro, o novo presidente vai precisar fazer bem mais do que uma boa campanha de relações públicas. Vai precisar ouvir muito. Vai ter de abrir o diálogo com forças políticas novas, em diversas partes do mundo. E terá pela frente, principalmente, a dura tarefa de mostrar que os Estados Unidos podem ser, mais uma vez, uma fonte de inspiração para outros países.
Ao se deixar fotografar de jeans e capacete de ciclista, poucos dias após assegurar a sua nomeação como candidato democrata, Obama deu um novo passo na construção da imagem de um político jovem, progressista e diferente, bem diferente, de tudo o que Bush atualmente representa. As fotos em que ele e a esposa aparecem sorridentes, formando um casal negro bonito e bem-sucedido, também ajudarão a mostrar ao mundo que ali existe uma alternativa. O restante do planeta parece respirar aliviado ao acompanhar o fim da era Bush. E, se as urnas dessa vez sorrirem para os democratas, haverá uma grande torcida espalhada pelo mundo para que Obama coloque em prática a palavra que escolheu para simbolizar a sua campanha – mudança.