O movimento Occupy retornou à mídia no 1º de Maio, convocando os norte-americanos a promoverem um apagão de consumo em homenagem à data (ano passado, 6 milhões pararam, de trabalhadores a estudantes). E, conforme o prometido, volto a comentar o ensaio recém-lançado pela Boitempo, Occupy – movimentos de protesto que tomaram as ruas do planeta, desta vez focalizando o artigo “Chega de Chiclete”, assinado por um dos meus autores favoritos:o pesquisador, historiador e ativista Mike Davis.
Autor do famoso Planeta Favela (2006), onde, a propósito, no último capítulo, chamado sugestivamente “Descendo a rua Vietnã”, este comenta (parafraseando Jan Breman): “Chega-se a um ponto sem volta quando o exército de reserva à espera de ser incorporado ao processo de trabalho torna-se estigmatizado como massa permanentemente supérflua, fardo excessivo que não pode ser incluído, nem agora, nem no futuro, na economia e na sociedade: esta metamorfose é a verdadeira crise do capitalismo! No final dos anos 1990, conforme a CIA, espantosos um bilhão de trabalhadores, que representavam um terço da força de trabalho mundial, estavam desempregados ou subempregados. Além do informalismo infinitamente ‘flexível’ (adjetivo que significa literalmente ‘sem garantia alguma de manutenção do emprego ou sub ou estágio ou os três’), não há roteiro para a reincorporação dessa enorme massa de mão-de-obra excedente na corrente principal da economia”.
Voltando ao Occupy: Davis abre sua exposição com uma pergunta retórica: quem poderia prever o Occupy Wall Street e sua repentina proliferação em várias cidades, grandes e pequenas? (aqui eu poderia responder que, quando uma idéia amadurece – PORQUE uma situação geral atinge seu limiar extremo – esta eclode simultaneamente em várias partes do mundo, é um fato historicamente comprovado), mas Davis comenta que alguém previu: o cineasta John Carpenter.
Há quase 25 anos (1988), esse mestre do terror (Halloween, A Coisa) dirigiu Eles Vivem (They Live), metaforizando a Era Reagan como uma catastrófica invasão alienígena: logo nas primeiras cenas, uma grande periferia de pesadelo terceiro-mundista é refletida ao longo duma auto-estrada nos arranha-céus espelhados de Bunker Hill, LA. Carpenter também retrata banqueiros e midiocratas cruéis pulverizando uma classe trabalhadora que vive em barracas numa encosta cheia de entulhos, implorando por trabalhos temporários. Então surge o enigmático personagem Nada (interpretado por Roddy Piper), sujeito extremamente furioso, cujos óculos mágicos desfazem o engodo geral perpetrado pelos ricos contra o “resto” do mundo.
Infelizmente, o Occupy the World ainda procura seus óculos mágicos – sob a forma de programas, demandas, estratégias – e sua fúria ainda é contida, num estado meio gandhiano, meio zen. Mas, como previu Carpenter, basta arrancar um número suficiente de cidadãos de suas casas e/ou carreiras – apavorando dezenas de milhões com esta possibilidade – para a Terra começar a tremer e avançar sobretudo em direção à Goldman Sachs.
Davis não deixa por menos: ”Ainda acho que tomar o comando dos arranha-céus é uma idéia esplêndida (ao invés de simplesmente ocupar as praças e ruas), mas para um estágio mais avançado da luta”. Outro dado importante apontado por ele: tais ocupações estão derrubando barreiras de geração, proporcionando as bases comuns para que professores da terceira idade troquem figurinhas com acadêmicos jovens desempregados. E ele constata, deslumbrado: OPERÁRIOS & HIPPIES JUNTOS, FINALMENTE!!!!
O sistema é de tal forma absurdamente suicida que conseguiu o impossível! Para Davis, estamos vivenciando o renascimento de qualidades como a compaixão e a solidariedade espontâneas, baseadas numa ética “perigosamente” igualitária. Mas voltemos à estratégia: qual o próximo elo na corrente (no sentido de Lênin) que precisa ser atado? Até que ponto é imperativo formar uma convenção, assumir demandas programáticas já nas eleições de 2012? Obama e os democratas irão, com certeza – talvez, desesperadamente – precisar da energia e da autenticidade de tais movimentos.
Mas é improvável que os “ocupas” coloquem à venda a si próprios ou ao seu extraordinário processo de auto-organização. A tendência é para a posição anarquista e seus imperativos óbvios: lembrando vagamente Maio de 68, mas como um imenso e inegociável BASTA inscrito em todas as cabeças (assim espero…). Davis recomenda: exponham a dor dos 99%, levem Wall Street a julgamento. Confrontem os predadores com suas vítimas: convoquem um tribunal planetário sobre o genocídio econômico!
Infelizmente, os banqueiros entrevistados pelo The New York Times ainda parecem considerar os protestos do Occupy pouco mais do que um incômodo baseado na “ignorância das massas diante das complexidades do setor financeiro”. É pena: podiam ser mais humildes. Na verdade, deviam estar apavorados: quatro milhões e meio de empregos da área industrial foram perdidos nos EUA desde 2002, uma geração inteira de recém-graduados encara a mais alta mobilidade descendente da história do país (percebem o quanto a coisa se agravou em relação às estatísticas de 90 retro-mencionadas?): diante disso espera-se o quê?
E Davis conclui, implacável: “Arruinar o sonho americano e as pessoas comuns será extremamente prejudicial para vocês (banqueiros). Ou, como Nada explica a seus agressores no profético filme de Carpenter: Vim aqui para mascar chiclete e quebrar tudo…e meus chicletes acabaram!”.