Bajonas Teixeira de Brito Júnior*
“Eu errei. Foi um ato irrefletido de um pai superprotetor.”
(Tião Viana — Senador e pai de família)
Constatamos a todo momento a infantil e retardatária mentalidade das elites brasileiras. Um dos últimos sintomas, me parece, está no uso que se alastra em ritmo febril do termo “desconstrução”. Saído da filosofia francesa, de J. Derrida, envelhecido há 20 anos, enterrado há uma década, o termo é novidade de degustação na boca dos políticos brasileiros. Esquerda e direita, sindicalistas e ruralistas, PT e DEM, oposição e governo. A maioria acredita que o termo provêm da construção civil, e alternadamente, fala em “construção” e “desconstrução”.
A senadora Kátia Abreu (DEM), no ataque a Carlos Minc, escreve em documento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que “a construção de um Brasil ecologicamente responsável está sendo buscada pelo consenso”, mas que existe um funcionário público (o tal Minc, se não me engano) que se esmera em “desconstruir toda e qualquer ponte em direção ao diálogo”.
A desconstrução ruralista está também na boca de um petista, ressentido por ter sido rifado na eleição para a Presidência do Senado, o senador Tião Viana. Diz com amargura o bom pai, de fala mole, que emprestou o celular do Senado para a filha viajar ao México, de onde ela voltou com uma conta de R$ 14.000.00:
“Lula nada fez para evitar a desconstrução e a perda de autoridade moral do Congresso. Os partidos estão mais fracos e deteriorados do que antes de sua posse.”
Note-se que Derrida usava o termo “desconstrução” positivamente — era preciso desconstruir tudo —, enquanto que por um misto de falta de leitura e instrução elementar, os nossos políticos, de direita e esquerda, empregam o termo de modo negativo: a desconstrução é um mal. Eles temem que alguma coisa seja desconstruída, e acusam uns aos outros de desconstrução. É engraçado, porque na bandeira brasileira está escrito “Ordem e Progresso”, que era na época do colapso da Monarquia o último grito da moda da filosofia francesa, o positivismo de Auguste Comte. Se a República Brasileira tivesse sido fundada hoje — e por que não, se fomos o último grande Império escravista do mundo? —, talvez a bandeira trouxesse a expressão “Desconstrução e Diferença”. Mas já com sentido distorcido.
É isso que me faz chegar onde eu quero, que é o seguinte: ao mesmo tempo que se confunde ou inventa um conteúdo amalucado para o termo “desconstrução”, que vira palavra de uso ostensivo e bonito, outra expressão que aspira à seriedade cai num uso frenético, que se esforça para criar cerimônia e pathos cívico, mas que afunda seu alicerce sempre mais no ridículo. Me refiro a palavra “Casa”. Isso mesmo, Casa com C maiúsculo. Com C maiúsculo, porque não inventaram ainda um maior, mais corpulento e cerimonioso.
Mas ai que está o negócio. No Senado, esta Casa tão brasileira, o caldo está entornando. A Casa é grande, o C é enorme, a entonação é bem pomposa, mas o resultado é sempre um novo agravante. Primeiro se falava muito em melhorar ou limpar “a imagem da Casa”. Isso me chamava a atenção porque não tem como não pensar o seguinte: por que insistem em limpar a imagem e não a casa? Eis o que ainda me pergunto.
Nestes dias, a Casa foi pro brejo, e não tem mais que cuidar de imagem coisa nenhuma. O assunto mudou: se trata de manter opai de família à frente da casa, ou mandá-lo pastar. Ninguém tem dúvida: ele já não é um “pai” com “p” maiúsculo. Sua paternidade decresceu à olhos vistos. Mas será isso tão importante? A diferença entre grande e pequeno, real e irreal, visível e invisível, no Brasil é muito estranha. Por exemplo, o senador Renan Calheiros, desde que saiu da presidência do Senado (ou senado?), entrou no limbo, mas dos póros invisíveis desse transmundo, como todo mundo podia ver, continuava a dar as cartas. Na semana passada inclusive foi chamado de Rei do Senado. De repente, sumiu de novo.
Mas voltando. A Casa, com maiúscula, foi pro brejo por causa de várias casas, casamentos, mordomos, e mordomias que vieram a público. Primeiro a de Agaciel, depois o apartamento funcional do filho de Zoghbi, depois a casa da ex-mulher do ex-motorista de Sarney, depois o mordomo da filha do mesmo, Roseana, e netos, sobrinhas, etc. etc., mais a casa comprada do banco Safra há dez anos por 400 mil que hoje, dez anos depois, vale dez vezes mais…. 4 milhões. Enfim, muitas casas em torno da Casa.
O primeiro pai, Sarney, reuniu os filhos para uma ritual familiar. Ele mesmo disse que “consultaria a família”, ou algo assim. Isso não funcionou muito bem.
Aí veio o Pai que tem muitos filhos e que, em pronunciamento recente, disse que quando sai de Casa (essa casa é o Palácio do Planalto), os meninos arrumam confusão. O Pai, com P maiúsculo, voltou às pressas da Líbia, se não me engano, e ofereceu sua aprovação de 180% do eleitorado para proteção do outro pai, que havia se despaizificado, perdido seu conteúdo mágico simbólico, e, como um simples infante, um dente de leite, estava, cai não cai. Pois bem. Agora fica a expectativa: o Pai do Palácio vai cobrir o déficit de paternidade do pai da Mansão, de forma que este, ao demitir o mordomo do Senado (Agaciel), limpe todas as imagens de todas as casas envolvidas, assim como da penca de parentes, agregados, e amigos de amigos? O mordomo é sempre o culpado?
Lembro que um dos primeiros escândalos da República brasileira foi a mansão comprada por Rui Barbosa na rua São Clemente emBotafogo. Hoje é sede da Fundação Rui Barbosa. Foi uma das compras mais estranhas daquele século, e dos outros, porque foi comprada sem dinheiro. Acusou-se Rui de receber o palacete em troca de facilidades. Parece que a questão nunca foi investigada a fundo, não estou certo, e ficou o dito pelo não dito, salve São Benedito. Gilberto Freyre, procurou ser justo sobre esse assunto em Ordem e Progresso. Mas a revista Istoé parece mais próxima da verdade:
“Dois anos depois de deixar o ministério da Fazenda, Ruy comprou em 1893 um palacete de 30 cômodos na rua São Clemente, no Rio de Janeiro, ao preço de 130 contos de réis. A quantia era enorme, totalmente incompatível com os rendimentos de um senador sem outras fontes de renda. Nessa propriedade com proporções de parque, de nove mil metros quadrados, Ruy e a família viveram até a sua morte, em 1922. A compra da casa causou escândalo e levou Ruy a dar explicações ao Senado. Explicou em discurso famoso que o imóvel fôra comprado sem dinheiro – um amigo lhe emprestara 60 contos de réis, tendo como garantia a hipoteca de metade da casa, e um banco entrara com o resto, garantido pela metade restante da propriedade. Quando Ruy não pôde arcar com as prestações, outro amigo, o capitalista Antonio Martins Marinha, veio em seu socorro. Embora se diga que Ruy pagou os empréstimos, há nessa história amigos demais e cuidados éticos de menos. “O caso é intrincado”, diz o historiador José Murilo de Carvalho.”
Vale observar que Rui Barbosa foi um sujeito tão esperto que, até hoje, as pessoas encontram-se divididas quanto à forma degrafar o seu nome. O artigo da Isto é o chama de “Ruy”, já a Fundação, traz o nome “Rui”. Aqui também só uma gramatologia espectral poderia solucionar o dilema.
Mas, seja como for, vale lembrar, que é possível ler o Brasil através das suas casas. O próprio Gilberto Freyre fez isso: Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos…
É um país em que a casa é muito mais que um “abrigo de homens e bens”, como a definiu uma vez um grego. Este momento, em que depois de mais de 40 anos à frente de todas as casas, ve