Márcia Denser*
Observando o espetáculo colorido dos calouros pintados com os mais diversos materiais, tintas, giz colorido, batom, cabelos repicados, raspados sadicamente, e todos mais ou menos mergulhados numa aura de felicidade entre arrogante e estúpida (sim, eu sei que os dois adjetivos não combinam, mas o ser humano é paradoxal assim mesmo), não pude deixar de associá-los a mim mesma e meu noviciato acadêmico em meados dos anos 70, e lembrei que a situação era inversa.
Para começar, não houve trote, porque nos cursos mais politizados como Filosofia, Letras e Arquitetura das grandes universidades daquela época ele fora quase abolido, considerado como prática selvagem, burra, brega, persistindo apenas em cursos tipo linha-dura, despolitizados, tipo Direito ou Engenharia. Numa classe de primeiro ano com cerca de 80 alunos, somente um apareceu com a cabeça raspada (que ele próprio havia raspado como precaução) e não deu outra: virou o Calouro e assim foi chamado até o final do curso. Terrível.
Mas a abolição do trote era só a ponta do iceberg, porque questionava-se tudo, todas as instituições, universidade, família, igreja, casamento, pátria, governo, hierarquias & excrescências. O trote universitário era uma delas, a colação de grau e entrega de diplomas outra etc. Figuras de autoridade como pai ou professor não eram mais tratadas por “senhor” e sim “você”. Aliás, qualquer pessoa era chamada simplesmente pelo primeiro nome e acabou-se. Desde as relações pessoais até a moda, a sociedade se informalizara, tirara a gravata, vestira jeans, propunha-se uma sociedade mais justa, propunha-se uma horizontalização das relações humanas.
Inventariando assim superficialmente os costumes da sociedade de 30 anos atrás, sinto estranhamento e um tremendo mal-estar: como se estivesse contando algo ocorrido a outra pessoa, em outro tempo, em outro lugar, e não comigo e outras pessoas da mesma geração.
Hoje as instituições e adjacências continuam aí e inquestionáveis, entre outras razões devido à crescente despolitização social. Portanto, retornam, mais artificiais e postiços e “politicamente corretos” do que nunca, os velhos costumes e práticas sociais, retornam terno e gravata (e pretos, num calor de 38 graus! A burrice não transpira?) .
O “senhor” e a “senhora”, a linguagem de telemarketing e de RH, o mais novo espécime da mídia, o “radical-a-favor” (“intelectual” engraçadinho que defende ardorosa e graciosamente o privilégio, linha Diogo Mainardi), a passividade geral tendendo a suicídio coletivo são as novas formas que configuram esse neoconservadorismo que visa legitimar falsamente as mesmas estruturas sociais ilegítimas e injustas de ontem, hoje e sempre.
Sim, retornam os rituais, mas agora vazios de significado.
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