Celso Lungaretti*
O bispo Luiz Flávio Cappio encerrou melancolicamente sua greve de fome contra o projeto de interligação das águas do rio São Francisco, no 23º dia, após sofrer um desmaio e ser hospitalizado.
Não obteve concessão nenhuma do governo federal, cuja intransigência acabou recompensada com uma vitória de Pirro. Impôs sua vontade, sim, mas de forma tão brutal como Margareth Thatcher, ao deixar Bobby Sands e outros nove militantes do IRA morrerem em 1981.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidentemente, não quer ser lembrando como uma versão masculina da Thatcher, embora também siga a ortodoxia econômica neoliberal. Prefere comparar-se, por exemplo, a Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas.
A primeira pretensão é risível, pois nada tem do estadista visionário (no bom sentido), civilizado e cordial que foi JK.
Também passa longe do Vargas dos anos 50, que confrontou o imperialismo e teve a grandeza de sacrificar a vida para impedir um golpe de estado direitista.
Quanto ao ditador de 1930/45, que tinha o carrasco Filinto Müller como sustentáculo e entregou Olga Benário para morrer num campo de concentração nazista, Lula ainda não possui currículo desumano equivalente, embora haja manchado em 2007 sua biografia com a deportação dos pugilistas cubanos e a postura inflexível face ao protesto do bispo de Barra (BA).
Dom Cappio não saiu da greve de fome tão vexatoriamente como Anthony Garotinho em 2006 e o próprio Lula em 1980. O primeiro, aos 46 anos, agüentou o jejum por 11 dias. Lula, no vigor de seus 34 anos, suportou míseros seis dias. Comparado a esses dois, o frei foi um herói, resistindo durante 23 dias aos 61 anos de idade.
Ninguém esperava que ele igualasse os 65 dias de Bobby Sands ou os 74 dias do também irlandês Terence MacSwiney (1920). Mas, se dom Cappio perseverasse após ser liberado do hospital, o governo logo lhe ofereceria algum acordo – até porque a possível morte do bispo em pleno Natal seria politicamente catastrófica para o Planalto.
Combalido, dom Cappio não percebeu que Lula e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, blefavam, ao rejeitarem tão enfaticamente a negociação. Por questão de dias, deixou escapar o que seria (ou passaria por) uma vitória.
No fundo, Lula, Garotinho e dom Cappio fizeram opções equivocadas, ao iniciarem greves de fome que não estavam dispostos a levar até o fim. Trata-se do trunfo derradeiro das batalhas políticas e de defesa dos direitos humanos, a ser utilizado apenas em circunstâncias extremas, quando o cidadão avalia que, sem atingir seu objetivo, não compensa continuar vivo.
Greves de fome que terminam sem vitória e sem morte fazem com que a opinião pública deixe de levá-las a sério. Então, como o governo saiu-se aparentemente bem pagando para ver, agirá da mesmíssima forma na ocasião seguinte. Alguém terá de morrer para reabilitar essa forma de luta.
Mas, em sua aparente derrota, dom Cappio conseguiu uma vitória importante, ao recolocar o projeto oficial em discussão pública. Salta aos olhos que a interligação não é a opção ideal para saciar a sede dos nordestinos, nem a de melhor relação custo/benefício e muito menos a recomendável em termos ecológicos, devendo os motivos de sua adoção serem buscados alhures.
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Ou seja, ficaram fortíssimas as suspeitas de que novamente os interesses privados estão sendo priorizados na destinação de recursos públicos. É a chamada crônica da CPI anunciada.
Dom Cappio ainda poderá rir por último.
* Celso Lungaretti, 56 anos, é jornalista em São Paulo, com longa atuação em redações e na área de comunicação corporativa, e escritor. Escreveu Náufrago da utopia (Geração Editorial, 2005). Mais dele em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.
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