O pedido de Julian Assange para ser admitido no Equador como refugiado, após ter sido concedida sua extradição pela justiça britânica, é totalmente coerente com os princípios do direito internacional, já que o fundador do Wikileaks é um caso claro de perseguição. (Vide)
As acusações formuladas pela Suécia sobre o suposto abuso sexual que o réu teria cometido, não podem ser aceitas, como nenhuma outra acusação de qualquer outro gênero que não esteja baseada em provas objetivas. Sem entrar no mérito sobre a compatibilidade de um ato dessa natureza com a personalidade do acusado, é natural exigir que qualquer ato de extradição se baseie numa imputação fundada.
Além disso, é surpreendente a coincidência entre o suposto crime e o extremo interesse dos Estados Unidos em colocar suas garras sobre o ativista. A acusação apareceu exatamente no momento em que as revelações de Wikileaks e o aumento do prestígio da organização no Ocidente arrepiavam os cabelos da sociedade americana, ao revelar detalhes sobre diversas conspirações e crimes de Estado praticados em prejuízo de países invadidos ou dependentes da Casa Branca.
A histérica acusação de traição difundida pelos Estados Unidos, e os exacerbados pedidos de punição até com a pena de morte, constituem um fato absurdo até para um sistema jurídico racista, plutocrático e discriminatório como o americano.
De um ponto de vista humanista, o conceito de traição é repulsivo ao direito natural, pois acusar alguém de traidor significa que essa pessoa estaria obrigado a se abster de determinados atos por subserviência a um poder superior, mesmo se eles contrariassem sua consciência. É por esse motivo que países mais avançados têm diminuído o impacto desse conceito em suas leis penais, e aceitam declarações de dissidência até por parte de militares e policiais, de acordo com certos códigos de deontologia.
De fato, o conceito de traição tem uma origem religiosa e militar. No Cristianismo, a traição aparece no começo, quando Judas entrega Jesus a seus carrascos. O “crime” de traição foi punido pelas monarquias posteriores com penas cruéis, das quais as mais truculentas estão descritas por Dante, que destina aos traidores o 9º círculo do inferno, o mais quente e desconfortável. A tradição militarista, que foi muito poderosa na Europa até a 2ª Guerra e continua sendo nos EUA, tornou o direito a dissentir num ato punível. O traidor é equivalente do pecador, para a “justiça” teocrática, pois é alguém que se afasta das normas impostas pelos poderosos, e seu pecado constitui uma espécie de heresia.
Mas, no caso de Assange, o conceito de traição é inaplicável mesmo desde a perspectiva da lei americana, e a simples menção deste “delito” mostra o uso dos americanos do Direito Penal do Inimigo, como fazem com os prisioneiros de Guantánamo. Assange não é americano, está fora dos EUA, e os prejuízos que possa ocasionar a esse país são produzidos pela arma da informação, algo que, cinicamente, os EUA dizem defender, quando, na realidade, o que defendem é o poder das empresas de comunicações.
É muito preocupante a cumplicidade de Grã Bretanha e, especialmente a da Suécia, considerada até a década de 80 como uma democracia exemplar, numa maquinação tão sórdida. A Suécia tem perdido nos últimos anos parte de sua credibilidade por causa do refoulement de alguns potenciais refugiados islâmicos, mas, em alguns desses casos, o governo argumentou não existir provas suficientes do risco ou impossibilidade material de receber o fluxo de perseguidos.
Embora esses argumentos sejam pretextos, pode entender-se essa cumplicidade passiva com a repressão como um ato de displicência. No caso de Assange, a questão é mais iníqua. A Suécia está colaborando ativamente para prender o ativista e nada garante que, se o estado é capaz de usar meios tortuosos para intimidar o jornalista, seja capaz de resistir as pressões dos EUA para deportá-lo.
Rafael Correa, além de a obrigação de cumprir com os tratados internacionais, face à indubitável perseguição contra Assange, tem motivações mais específicas para oferecer asilo.
Por um lado, Correa é um dos chefes de Estado do hemisfério mais difamado pelas empresas de comunicação, e muitas vezes tem manifestado preocupação pelo clima de golpe criado contra ele. Portanto, está moralmente obrigado a proteger uma pessoa que representa uma das mais importantes fontes de informação limpa. A única maneira honesta de combater a desinformação de mídia mercenária é com informação qualificada como a obtida pelo talento de milhares de internautas progressistas.
Além disso, Correa sabe muito bem qual é o peso dos países imperialistas na região (não apenas dos EUA). Seu território foi invadido e bombardeado pela Colômbia, e várias empresas latino-americanas devastaram a ecologia da região e exploraram a mão de obra barata dos trabalhadores equatorianos.
Finalmente, seu governo teve até agora um excelente comportamento ao receber refugiados da região e conceder-lhes asilo, como fez com a jovem mexicana ferida pelo comando americano-colombiano que invadiu o país para assassinar membros das Farc.
Quaisquer que sejam os riscos e custos deste asilo, o governo equatoriano não pode hesitar sobre sua decisão. Assange é perseguido pelos mesmos inimigos da liberdade e o progresso que perseguem os povos da América Latina.
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