O noticiário não fala noutra coisa desde a semana passada senão o mais recente imbróglio envolvendo a nossa megapetroleira Petrobras. Na verdade, apenas o último dentro de uma sequência inimaginável de trapalhadas.
Como sempre, os políticos e agentes públicos envolvidos se voltam – raivosos até – contra a mídia, numa tentativa de desqualificar todo o trabalho de investigação jornalística, arma maior da própria cidadania. De agora até as eleições de outubro parece que tudo não passa de intriga política, de alguma armação sórdida de elites em conluio com a mídia golpista. E se esquecem de que no Brasil as instituições, principalmente as de law enforcement das polícias e promotorias, e as de controle interno e externo, estão funcionando.
Ano passado, o recado da sociedade civil nas manifestações de rua foi mais do que claro. Para além dos 20 centavos da tarifa de transporte público, da saúde e educação básicas e da segurança pública, ficou evidente que não suportamos mais o baixo nível do jogo político, o toma-lá-dá-cá da alegada governabilidade, o aparelhamento de Estado, o loteamento dos cargos comissionados, a corrupção com a coisa pública e o cinismo das caras e bocas de quem nunca sabe de nada.
Não pode uma empresa pública se conduzir como se estivesse acima das leis e de regulamentações. Como se intocável fosse; um verdadeiro Estado dentro do Estado. Por maior que seja – uma gigante “engolidora” de um orçamento muitas vezes maior que uma dezena de ministérios da República. Mais forte que a própria agência reguladora do seu segmento. Simplesmente não pode. Pois isso é descabido, um atentado ao bom senso e à necessária racionalidade no trato com a coisa pública.
Na democracia, nada e ninguém pode estar acima das leis, quanto mais à margem da moralidade pública. O que é público é de todos, e não do grupo político do momento. Tem que estar disponível ao escrutínio da sociedade, de suas instituições e de seus cidadãos. Dizer apenas que a compra claramente fraudulenta de uma refinaria será investigada por um comitê interno de sindicância é fazer pouco da inteligência dos cidadãos; é empulhação! O controle social mais efetivo é sempre externo.
O caso da Petrobras é atípico para qualquer democracia que se pretenda evoluída e saudável. No muito que se criou desde os anos 50, o do “petróleo é nosso”, quem disse que, para ser nosso de fato, ele precisa ser extraído, transportado, refinado e distribuído por uma constelação de empresas estatais, chamadas de sistema? Como a Petrobras, a Eletrobrás e outros “brás” que nos assolam.
O momento é de se discutir esse mito que já tem mais de 60 anos de idade. Faz parte de um anacronismo semelhante ao que a própria empresa se vê presa, de conceitos (ou preconceitos?) político-econômicos tão velhos quanto o do nacionalismo xenófobo e retrógrado.
PublicidadeComecemos pelo seu gigantismo quase amorfo. De que serve para uma petroleira estatal atuar nessa verdadeira miríade de segmentos, que vão da pesquisa à distribuição da gasolina refinada em postos automotivos, passando por petroquímica, frotas de navios petroleiros, biocombustíveis e sabe-se lá o que mais?
Sem falar nos apoios ditos de “responsabilidade social” por todo o país, de grupos musicais até campeonatos de futebol. Quem não se lembra do “patrocínio” de R$ 650 mil para a realização de um congresso de uma organização ligada ao MST, aquele que acabou em pancadaria na Praça dos Três Poderes e tentativa de invasão do Supremo Tribunal Federal? Esse gigantismo é um dos terrenos mais férteis para o descontrole, a má gestão e a corrupção. Isso é consenso.
Na verdade, um pouco desse mito da “gigante faz-tudo” do setor petroleiro foi quebrado em 1997, quando o regime de concessão então implantado pela Lei nº 9.478 – a chamada “Lei do Petróleo” – fez a empresa perder o monopólio na exploração e refino de petróleo.
Se já quebramos o monopólio de mercado, que tal quebrarmos o poder de um gigante que reluta até em abrir à sociedade as planilhas de custos da gasolina, um dos pilares do desenvolvimento de qualquer país hoje?
Já pensaram? Quantas escolas, hospitais, delegacias, agências de previdência, estradas, estações de tratamento de água, postos de controle de fronteiras, e tudo o mais não poderiam estar à disposição da sociedade com o dinheiro público economizado? Se não há condições políticas de privatizar todo o sistema, privatize-se ao menos os excessos, de frota de petroleiros a postos de gasolina, que nada disso pode ser considerado de “interesse estratégico”…
O mundo de hoje não é pautado mais pelo desenvolvimento da produção de bens tangíveis, e, sim, por tudo o que significa a sociedade do conhecimento, principalmente no que se refere à educação e pesquisa. Esta deve ser a verdadeira pauta para discussão, estabelecida segundo os reclamos dos cidadãos e não por caprichos pouco transparentes deste ou daquele governo, deste ou daquele grupo político, de viés desta ou daquela mixórdia doutrinária.
Aí, sim, não vai ficar pedra sobre pedra.