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Paulo Kramer
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A cada retorno do eterno ciclo de escândalos na copa-cozinha do Planalto, analistas e cientistas políticos voltam à carga em artigos e entrevistas para exaltar as panacéias regulamentares: lista partidária fechada, financiamento público exclusivo de campanhas, reforma política já! Hummm, sei não. O convívio com os clássicos da filosofia política ensina a ter uma certa frieza ante os entusiastas da engenharia institucional. Escrevendo no século XVIII, o barão de Montesquieu (1689-1755), em vários trechos do seu Espírito das leis, reconheceu que a eficácia destas depende, em última análise, de bons costumes: crenças (religiosas ou profanas), valores, ideais, tradições compartilhadas pela comunidade – um amálgama rotulado pela ciência política de hoje em dia de “cultura cívico política”. Publicidade
Bem verdade que Montesquieu, à medida que avançava na obra que levaria um quarto de século para terminar, lutou para fugir do gélido abraço do determinismo cultural, apontando instâncias em que leis bem formuladas poderiam repercutir na regeneração dos costumes. De modo geral, porém, revela-se intuitiva a enorme diferença entre os graus de eficácia de uma mesma regra – a exemplo de uma lei de responsabilidade fiscal, um código de trânsito ou uma simples proibição de sujar a rua – em países como, digamos, Noruega e Brasil. É como se, no primeiro caso, a regra resultasse redundante e, no segundo, inútil. Publicidade
O leitor já estará a reclamar: “Ora, a óbvia razão da diferença é que lá as transgressões são mais severas e freqüentemente punidas do que aqui!” Em defesa de meu argumento, observo, contudo, que até mesmo a propensão a punir correlaciona-se a firmeza da crença coletiva no princípio de que todos são iguais perante a lei. Trilhando caminhos diferentes, o filósofo liberal Antônio Paim e o antropólogo Roberto DaMatta revelam o quanto sempre foi difícil embutir esse princípio no código operacional da sociedade brasileira. Paim confronta o contratualismo de John Locke (1632-1704) e o universalismo ético de Inmanuel Kant (1724-1804) com a onipresença do patrimonialismo em nossa formação histórica. O vício dos governantes luso-brasileiros de predarem a coisa pública para engordar o patrimônio pessoal e familiar impediu a solidificação de uma “moralidade social consensual”. Em miúdos: ética nos olhos dos outros é refresco, mas comigo, não, violão. PublicidadeDaMatta por sua vez, ilumina a dimensão cotidiana desse dilema brasileiro com a metáfora do abismo entre o “mundo da casa” (aos parentes, amigos e cupinchas, tudo) e o “mundo da rua” (aos inimigos e à massa de indivíduos sem conexões importantes, a lei). Quando colocado em xeque por qualquer referência a valores universais, igualitários, formais, válidos para todos, nosso personalismo particularista reage e, a fim de retraçar aquela preciosa fronteira entre os dois mundos, apela para o “Você sabe com quem está falando?” Assim, fica mais fácil compreender por que o grupo palaciano do PT cobra tão freneticamente o apoio dos seus aliados/antigos adversários para exorcizar a ameaça de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre supostas ligações do baronato da jogatina com o financiamento de candidaturas petistas às últimas eleições e, pior, as operações do atual governo. A cláusula retroativa invocada por líderes petistas como condição para endossar o requerimento da CPI (“Assinamos desde que as investigações remontem aos últimos oito anos”) mal esconde o intento palaciano de premiar os próceres da base aliada com proteção garantida às falcatruas de ontem sob a impunidade de sempre. Nada mais pateticamente ingênuo que apelar para a coerência de uma elite petista que, na oposição, vituperava o governo e exigia a instalação de CPIs contra todos os seus delitos, reais ou imaginários. O grupo palaciano quer algo muito diferente: que os seus novos parceiros no Congresso o tratem como velho amigo da família, gente de casa, com direito a generosos goles do elixir do esquecimento mútuo, num brinde a mais esta rodada do pacto do me-solta-que-eu-te-largo. Em são consciência, responda-me lá o caro leitor: existirá lei de reforma política capaz de endireitar costumes tão tortos? |
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