O sistema social de qualquer país democrático está estruturado em três setores, que interagem e se fiscalizam reciprocamente – à semelhança do sistema de freios e contrapesos próprio da divisão das funções dos poderes – um moderando ou controlando os excessos do outro. São eles: o Estado, como primeiro setor; o Mercado, como segundo setor; e a Sociedade Civil, como terceiro setor.
O esquema abaixo resume, com perfeição, as principais características de cada setor.
Setor | Interesses | Meios | Fins | Objetivos |
1º – Estado | Não lucrativos | Públicos | Públicos | Burocrático |
2º – Mercado | Lucrativos | Privados | Privados | Competitivo |
3º – Sociedade Civil | Não lucrativos | Privados | Públicos | Voluntário e Virtuoso* |
*embora devessem ser, nem todas as entidade da sociedade civil atuam voluntariamente ou agem virtuosamente patrocinando apenas causas coincidentes com o interesse público e defensáveis ética e moralmente.
O Estado, constituído dos entes estatais – ao qual em tese os demais seriam subordinados – tem a primazia de administrar o uso de bens públicos para fins públicos. O Mercado, formado por agentes econômicos privados, tem a primazia da competição. E a Sociedade Civil, formada por organizações não-governamentais ou privadas, tem a primazia das ações públicas não estatais.
Entretanto, para que cada um dos setores cumpra adequadamente sua função – e o faça com princípios republicanos, éticos e morais – deve se manter fiel aos seus interesses, meios e fins. O desvirtuamento, especialmente dos meios e dos fins de qualquer desses setores, levaria à corrupção, que seria o emprego de meios públicos para fins privados.
O Estado moderno, na sua missão de organizar a vida em sociedade, por intermédio dos poderes, deve ter ampla autonomia e independência no exercício de suas cinco macrofunções, que são: a) funções políticas, que consistem na definição de direitos e deveres dos cidadãos, assim como a relação entre pessoas e entre estas e as instituições; b) funções executivas, voltadas para a implementação das políticas públicas; c) funções jurisdicionais, direcionadas à solução de litígios; d) funções fiscalizatórias, destinadas à garantia do cumprimento da ordem jurídica e da regulação estatal; e e) funções de defesa da ordem e integridade do território.
A autonomia e independência do Estado, entretanto, não conflita nem impede a participação dos outros setores nas decisões do Estado. Pelo contrário. Aliás, o modo mais adequado para assegurar o equilíbrio entre os três setores do sistema social é a interação estrutural, por intermédio de órgãos colegiados, como conselhos consultivos e/ou deliberativos, dentro da política de governança participativa, ou mediante consulta pública, por meio das quais a sociedade e o mercado poderão contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas.
O equilíbrio desses três setores, que é fundamental para o bom funcionamento do sistema social, passa por maior colaboração e participação do segundo setor (Mercado) e do terceiro setor (Sociedade Civil) no primeiro (Estado). O ex-ministro Delfim Neto costumava dizer, em relação ao processo eleitoral, que quando as urnas exageravam o mercado equilibrava e quanto o mercado exagerava, as urnas equilibravam. O risco é que o Mercado – que tem fins lucrativos, financia campanhas eleitorais e mantém algumas organizações não-governamentais – hegemonize e conduza o governo e a sociedade civil, colocando a competição e o lucro acima do interesse público, num verdadeiro “salve-se quem puder”.
Portanto, do ponto de vista dos governantes, apesar de o Estado deixar de ser o único lócus de poder na sociedade, as vantagens da governança participativa, com a sociedade civil e o mercado sendo ouvidos, são importante porque asseguram legitimidade, lealdade e aderência às políticas públicas, além de garantir maior visibilidade e facilidade para a inserção na agenda governamental das demandas de interesse desses setores.
A tendência das democracias modernas é, cada vez mais, valorizar a participação dos agentes econômicos e sociais nas decisões de governo. No Brasil, mesmo tendo avançado muito essa interação, ainda é baixo o nível de institucionalização. Além disso, os critérios para a participação, em grande medida, dependem mais de relação pessoal ou de afinidade do que propriamente de regras objetivas. É preciso inovar com a criação ou reestruturação de instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos direitos do cidadão.
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