O liberalismo é uma doutrina que entende que o papel do Estado deveria se limitar a garantir a propriedade privada e o cumprimento dos contratos, cabendo aos indivíduos – individual e coletivamente – prover suas necessidades. O Estado, no máximo, garantiria a oferta de serviços básicos, diretamente ou por intermédio da iniciativa privada, como segurança, saúde e educação.
Segundo essa concepção, o Estado, na área econômica ou em qualquer atividade produtiva ou de fornecimento de bens e serviços, deveria criar as condições para o empreendimento privado, só devendo entrar quando a iniciativa privada não tivesse interesse.
No campo administrativo, ainda segundo essa visão, o Estado deveria gastar o mínimo possível com o funcionamento de máquina pública e também com a seguridade social (previdência, assistência e saúde) e com os programas sociais.
A remuneração do capital, por essa lógica, deveria seguir exclusivamente as leis de mercado, ou seja, variar de acordo com a oferta e a procura. Portanto, não deveria haver interferência do Estado.
No caso brasileiro, em que a paz social se sustenta pela forte presença do Estado, especialmente por meio da seguridade social e dos programas de distribuição de renda, a adoção dessa doutrina seria uma completa tragédia.
Essa reflexão vem a propósito da nomeação dos ministros da área econômica do segundo mandato da presidente Dilma, muito identificados com esse ideário. Dos seis ministros (Fazenda, Planejamento, Banco Central, Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Pecuária e Abastecimento), quatro são adeptos da doutrina do Estado mínimo.
Se isso, por si só, já era muito preocupante, as primeiras medidas só ampliaram e agravaram essa preocupação. As medidas, com reflexos negativos sobre os trabalhadores, sinalizam para a retirada ou redução dos estímulos ao setor produtivo, a redução de benefícios sociais, o aumento de tributos e da taxa de juros.
Todos sabíamos que a presidente precisava fazer um gesto para o mercado, sobretudo para desfazer a percepção de que seu governo era contra a iniciativa privada. Mas, a julgar pelas mudanças nos benefícios sociais, o governo foi muito além de um gesto. Endossou as medidas que foram propostas e defendidas por adeptos do Estado mínimo.
Uma coisa é corrigir distorções em benefícios sociais ou em qualquer outra política pública, o que não apenas é um dever como também é uma obrigação do governante. Outra, completamente diferente, é a redução dos valores, capacidade de acesso e período de usufruto de direitos, como houve em relação aos seis benefícios atacados (auxílio-doença, auxílio-reclusão, abono do Pis/Pasep, seguro-desemprego, seguro-defeso e pensão por morte).
Se não houver uma forte reação no Congresso, assim como houve das centrais sindicais, os próximos passos serão: i) a desvinculação do piso dos benefícios previdenciários e assistências da LOAS do salário mínimo, como estão fazendo com o abono; ii) o aumento da idade mínima para efeito de aposentadoria, iii) a transformação em lei do projeto de lei sobre terceirização em bases precarizantes; e iv) a flexibilização de direitos trabalhistas assegurados na CLT por meio da livre negociação ou garantias de emprego (ampliação das possibilidades de layoff), já que o discurso da presidente é que não irá suprimir direitos, dentre outros.
Assim, ou os movimentos sociais, os partidos comprometidos com um Estado forte e com a defesa dos direitos dos assalariados (trabalhadores, servidores públicos e aposentados e pensionistas) e dos mais pobres se mobilizam e exigem a derrubada dessas medidas nos aspectos que ferem direitos, inclusive recorrendo ao STF, dada a sua inconstitucionalidade, ou os defensores do neoliberalismo ganharão poder e força no governo e na sociedade. Querem aproveitar a fragilidade do governo para fazê-lo refém do mercado. O sinal amarelo acendeu.