Ronaldo Brasiliense*
É no mínimo risível o projeto de lei aprovado pelo Senado definindo regras para as campanhas eleitorais no Brasil. Risível, porque não passa de um jogo de faz-de-conta para enganar os incautos. Há artigos inconstitucionais, como tão bem antecipou o ministro César Rocha, corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como o que limita a divulgação de pesquisas eleitorais a 15 dias antes do dia da eleição.
Melhor seria apresentar um projeto penalizando os institutos de pesquisa que errassem descaradamente os percentuais de votos de candidatos a cargos eletivos, inclusive em pesquisa de boca-de-urna, como ocorreu nas últimas eleições. Proibir a divulgação da pesquisa pura e simplesmente 15 dias antes do pleito é como querer condenar o sofá da sala por crime de adultério.
A Folha de S.Paulo, em editorial, fez pesadas críticas aos pontos polêmicos do pacote eleitoral recém-aprovado pelo Senado Federal. Destacou, com razão, a proibição de "gravações externas" na propaganda eleitoral gratuita. "A disposição é um grave cerceamento à liberdade dos partidos políticos de criticar e ao direito dos cidadãos de ser informados", argumenta o jornalão paulista.
Na ditadura, ganhou triste fama a "Lei Falcão" – uma homenagem a seu mentor, o ex-ministro da Justiça do governo Ernesto Geisel, Armando Falcão. A lei eleitoral de Falcão limitava a exibição de retratinhos 3 x 4 dos candidatos e seus currículos – em alguns casos, prontuários – no horário eleitoral gratuito.
O golpe – a proibição de gravações externas – é bom recordar, já é manjado. Nas eleições presidenciais de 1994 também foram proibidas as imagens externas. Um casuísmo para impedir que o então candidato favorito, o velho sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, exibisse no horário de propaganda eleitoral gratuito as tais "caravanas da cidadania", nas quais o "Sapo Barbudo" mostrava-se ao lado do eleitor nas mais remotas regiões do país.
Ficaram de fora, porém, medidas consideradas moralizadoras, como a definição de um teto para gastos nas campanhas eleitorais e a prestação de contas em tempo real na internet. O pacote eleitoral derrubou os dispositivos que previam a responsabilização criminal de tesoureiros e doadores de "recursos não contabilizados" e o aumento do tempo de suspensão de repasse do fundo partidário para as legendas que utilizarem caixa dois em suas campanhas políticas.
A chamada "emenda Delúbio Soares" – nome do ex-tesoureiro do PT -, que também responsabilizaria os tesoureiros e os doadores de campanha, não chegou sequer a ser analisada.
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A primeira pergunta que não quer calar é: esse pacote eleitoral já estará valendo nas eleições de outubro de 2006? Pelo artigo 16 da Constituição Federal, quaisquer alterações no processo eleitoral, quando aprovadas menos de um ano antes do pleito, só valerão para as próximas eleições. Jurisprudência do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirma a proibição. Logo, a legislação eleitoral aprovada no meio do jogo só poderá valer no jogo eleitoral de 2008, quando serão eleitos prefeitos e vereadores nos mais de 5.500 municípios brasileiros.
No Brasil, os detentores do poder são useiros e vezeiros em alterar as regras do jogo no meio do jogo. O general-presidente João Baptista Figueiredo, nos estertores da ditadura militar, em 1982, inventou o voto vinculado – o eleitor tinha que votar de governador a vereador de um mesmo partido ou o voto seria considerado nulo. Sábio, o eleitor inventou o voto "Camarão", cortando a cabeça e votando no corpo e no rabo da chapa eleitoral quando não queria eleger tal político para o cargo de governador.
De lá para cá se passaram 24 anos, mas a cada eleição muda-se a regra. Em 1994, quando Lula aparecia na liderança das pesquisas, antes do lançamento do Plano Real, partidos como PSDB e PFL reduziram o mandato presidencial para quatro anos. Com a eleição de FHC, este trabalhou para aprovar a reeleição – e ganhou.
Cabe ao TSE rejeitar mudanças casuísticas que os parlamentares querem impor ao eleito nas eleições de outubro. Como conclui o editorial da Folha: "Não será tornando a propaganda eleitoral ainda mais maçante que se aprimorará a democracia brasileira.". Com certeza.