Aletheia Vieira*
Na saga fantástica Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, a Casa Stark, do reino imaginário de Winterfell, tem um lema: “O inverno está chegando”. Ao longo de séculos, a família sempre se preparou para a estação que, na história fantástica, chega a durar anos, inutiliza a produção de alimentos e a vida social.
O personagem Ned Stark, o senhor de Winterfell, educou os filhos dentro desta filosofia: as coisas podem até estar tranquilas agora, mas precisamos estar preparados para mudanças.
Foi exatamente o que não aconteceu com o PSDB. Segundo os fundadores, entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o projeto de poder seria baseado no que eles consideravam como social democracia. Com o tempo e os acontecimentos, a ideologia tucana se perdeu – algo comum também em outras legendas – e o partido não se planejou para o futuro. Hoje, não tem colhido bons frutos.
Assim como em alguns times de futebol, o PSDB não investiu nas categorias de base. Imaginem quantas pessoas se filiam ao partido por ano em todo o país, quantas disputam eleições, quantas ganham. E quase não se sabe nada sobre isso. O direcionamento tucano parece cada vez mais equivocado: concentram suas forças em poucos nomes e centralizam a visibilidade política no estado de São Paulo, na verdade, na capital paulistana.
E o que está acontecendo? José Serra tem caído nas pesquisas na disputa pela prefeitura de São Paulo e talvez nem chegue ao 2º turno. Pode até perder espaço para Fernando Haddad, o candidato do PT, que foi ministro da Educação nos governos Lula e Dilma, e é bem menos conhecido que ele.
E pensar que parte desse insucesso atual do PSDB, além de outros fatos, se deu por perda nos quadros. Não por desfiliação.
Em 1997, Fernando Henrique conseguiu uma vitória importante no Congresso em seu primeiro mandato. A emenda da reeleição foi aprovada e um dos principais articuladores foi o deputado Luís Eduardo Magalhães, do antigo PFL, hoje DEM, da Bahia. Na época, ele era presidente da Câmara. A retribuição do PSDB para o aliado PFL seria em 2002: Luís Eduardo era nome certo na candidatura à sucessão de FHC e já estava sendo preparado para isso com a ajuda do pai, o senador Antônio Carlos Magalhães.
No dia 21 de abril de 98, Luís Eduardo morreu de um ataque cardíaco aos 43 anos. Dois dias antes, Fernando Henrique já havia perdido o seu amigo e também articulador Sérgio Motta, ministro das Comunicações. Em 2001, o então governador de São Paulo, Mário Covas, um dos fundadores do PSDB, morreu alguns meses após detectar um câncer avançado no intestino.
O resto da história vocês já sabem. FHC tinha poucas opções para 2002. José Serra foi o ungido, principalmente por ter sido ministro da Saúde e adotado medidas importantes e populares como a liberação da produção de remédios genéricos e ampliação do alcance do coquetel de medicamentos aos aidéticos. Perdeu a eleição para Lula no segundo turno.
A derrota de José Serra em 2002 ainda é sentida no PSDB. Desde então, a legenda tem feito tentativas para evoluir, mas não consegue. Serra é mais conhecido por não terminar mandatos. Os adversários se utilizam desse fato para atacá-lo. Mas a culpa também é do partido. Por que não formou novas lideranças? Por que não buscou outras opções? As pessoas não são eternas.
Para piorar, o DEM, principal aliado dos tucanos, se enfraqueceu nos últimos anos. Primeiro, foi o escândalo do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Agora, a cassação do ex-senador Demóstenes Torres. Tudo isso agravado pela dissidência do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o PSD, que levou uma parcela significativa de parlamentares do DEM, e não se posiciona oficialmente como oposição.
Geraldo Alckmin, por exemplo, foi deixado de lado pelo próprio PSDB na eleição municipal em 2008. José Serra preferiu apoiar Kassab que foi seu vice. Como um partido se volta para opção de uma liderança ao invés de debater qual o melhor cenário para a legenda? Aécio Neves não parece ser tão apaixonado pelo PSDB assim e nem tão querido no grupo FHC-Serra. Na verdade, nem deve ser mais um grupo e sim a própria dupla.
Após 2002, o PSDB teve a chance de se reinventar, fazer uma oposição de qualidade, apresentar novas opções para eleitores e priorizar o fortalecimento de seus mandatos municipais e estaduais, só que preferiu parar no tempo nessa busca angustiada para voltar à Presidência da República. Na oposição, a política se faz com debate, fiscalização efetiva e metas partidárias, ganhar eleição pode ser uma consequência.
O PT, por exemplo, precisa sim de um adversário forte. Brasil ganharia muito com isso. Ninguém avisou ao PSDB que o inverno poderia chegar?
*Formada em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Federal do Pará – UFPA, com especialização em Jornalismo Político pela Universidade Gama Filho. Trabalha e mora em Brasília