Na Argentina, no início do mês de agosto de 2012, foi notícia de que no dia 8 de maio daquele ano, numa localidade chamada Lomas de Zamora, uma jovem muito pobre procurou o hospital municipal após sofrer um aborto espontâneo numa gestação entre 22 e 24 semanas.
A jovem foi atendida no hospital por uma assistente social, que a recebeu de maneira educada e respeitosa. Escutou a história e perguntou os dados necessários para o atendimento. Em seguida, denunciou-a à polícia. A matéria não fala sobre a qualidade do atendimento médico dado à jovem M.C.E.
Com a informação da assistente social, a polícia pediu um mandado de busca e apreensão na casa de M.C.E. Pediu a busca de um feto, envoltórios e caixas de medicamentos que se relacionem com remédios destinados a interromper a gravidez, roupas e toalhas e todo objeto que contenha manchas de sangue, anotações e livretos que contenham dados sobre médicos, parteiras, etc.
Foi encontrado somente o feto com a placenta e sem nenhum sinal de traumatismo. A autopsia revelou que o feto nasceu “morto sem lesões traumáticas”, e que “a morte do feto foi produzida por mecanismo não violento e por consequência de uma parada cardíaca não traumática”.
Não só na Argentina, mas em qualquer lugar do mundo este fato gera uma série de perguntas: como fica a atenção médica e o direito à saúde nesses casos? O segredo profissional não deve ser preservado nestas situações?
Há serviços de saúde que, ao suspeitar que o aborto foi provocado, passam a atender a mulher com descaso, falta de educação e, às vezes, com agressividade.
Em muitas Constituições, como a da Argentina e a nossa, o direito à saúde está garantido, e essa garantia não pressupõe subterfúgios e nem estabelece barreiras: qualquer pessoa que chega a um serviço de saúde deve ser atendido sob o princípio de que o cidadão e/ou a cidadã não esteja mentindo. Caso esteja, as consequências serão sofridas pelo mentiroso ou mentirosa.
Outra questão que merece profunda reflexão diz respeito ao segredo profissional. Há algumas profissões em que o segredo é fundamental: não pode um padre sair por aí contando o que ouviu em confissão. O mesmo ocorre para o médico.
Muitas vezes, o que o médico ouve é praticamente uma confissão. O paciente não quer que a família tome conhecimento de determinadas coisas, e cabe aos profissionais guardarem segredo.
No caso dos profissionais da saúde, é crime contar o segredo. No dos padres, não sei.
O juiz de Lomas de Zamora, Gabriel Vitale, afirmou que depois da denúncia se desatou o circuito inquisidor do Estado. Aqui em nosso país, além do Estado, têm um espírito inquisidor muitos religiosos.
Antes de qualquer prova, por princípio religioso, condenam qualquer mulher que, não importa a razão, tenha em sua vida um aborto. Aliás, há também os religiosos que a principio já condenam a mulher pela sua sexualidade.