Ronaldo Brasiliense*
Sou de um tempo em que o repórter com certeza tinha mais coragem. Expunha-se mais. Corri riscos, muitas vezes. Recebi ameaças. Mandava o ameaçador entrar na fila, e segui em frente. Trombei muitas vezes com meus superiores, nas principais redações deste país (Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, Estadão, Correio Braziliense etc.) por não tolerar a censura. Claro que fui censurado, e perdi a conta das vezes. As alegações eram as mais estapafúrdias possíveis.
Já contei, e repito, a história da portaria que o Delfim Netto, todo poderoso ministro da Fazenda, assinou no início dos anos 80. Tinha duas linhas e enquadrava a hidrelétrica de Tucuruí como "obra de infra-estrutura prioritária do Programa Grande Carajás". Depois fiquei sabendo que essas mal (ou muito bem) traçadas linhas garantiam à construtora Camargo Corrêa uma isenção de Imposto de Renda que à época chegava a US$ 380 milhões. O editor da Veja alegou: "Orra, meu! É imoral, mas não é ilegal". E a matéria não saiu.
Mais de dez anos depois, já no Correio, escrevi sobre as falcatruas do Proer, o programa criado pelo imperador Fernando Henrique e seu primeiro-ministro, Pedro Malan, para salvar os bancos falidos. Contei que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal tinham colocado nos cofres do Banco Nacional, nos três meses anteriores à decretação da liquidação extrajudicial pelo Banco Central, nada menos que R$ 4,7 bilhões.
Graças a esse aporte, o Banco do Brasil teve um prejuízo em 1995 que, salvo engano, chegou a R$ 7,2 bilhões. Já o Bradesco, que vendeu moeda podre (Fundo de Compensação de Variação Salarial) do falido Sistema Financeiro da Habitação para o Nacional dar ao Banco Central como garantia do empréstimo, teve um lucro líquido superior, também se minha memória não me engana, a R$ 3 bilhões. A conversa com os editores foi exatamente a mesma: é imoral, mas não é ilegal.
A matéria também foi engavetada, mas por pouco tempo. Publiquei em outro órgão da "imprensa burguesa" e perdi meu empreguinho com carteira assinada, férias, 13º e otras cositas.
Nos dois casos citados usei o mesmo argumento: "Quer dizer que imoralidade pode?". Bem, agora estamos no governo do presidente Lula, prestes a ser reeleito por mais quatro anos apesar do Waldomiro Diniz, do José Dirceu, do José Genoíno, do Silvinho Land Rover Pereira, do valerioduto, da corrupção nos Correios, do mensalão, das remessas feitas para o Duda Mendonça em paraíso fiscal no exterior, dos dólares na cueca e dos famigerados sanguessugas. Tudo bem, é do jogo democrático. Cada um vota em quem quiser. Eu mesmo já votei no Lula.
Agora, não dá mais para agüentar e ver o mesmo argumento patronal de que a imoralidade é permitida, e somente a ilegalidade deve ser publicada, continuando a vigorar na imprensa brasileira, 20 anos depois. Não existe o meio-ladrão, o meio-corrupto, o meio-bandido, o mais-ou-menos-ético, assim como não existe a quase-grávida. Ou é ou não é. Ou está ou não está? Como diria o genial britânico Winston Churchill, um dos maiores frasistas da história, "não existe opinião pública, existe apenas a opinião publicada".
Para o bom entendedor, é o suficiente.