Paulo Negreiros
Quem circula pela Câmara e avista um cidadão com chapéu de vaqueiro – de couro, com duas cordinhas descendo o paletó – dificilmente identificará nele a imagem de um deputado. A primeira reação é de curiosidade. Afinal, a Casa é do “povo” e, por ali, passam visitantes de todo o país. Mas o distintivo parlamentar na lapela do terno dissipa qualquer dúvida: sim, trata-se mesmo de um parlamentar. Alguns acham graça.
Quando tomou posse, no dia 20 de março, na vaga deixada pelo atual ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), o deputado baiano Edigar Mão Branca (PV) surpreendeu os colegas ao subir à tribuna com o seu indefectível chapéu de coro, bem ao gosto dos sertanejos nordestinos.
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Os deputados que concluíram que, depois de empossado, Mão Branca abandonaria o adereço se enganaram redondamente. Aliás, ele avisa que jamais deixará de usar o que considera ser a sua marca.
“Meu chapéu é mais importante que meu mandato”, garantiu, para, logo em seguida, tentar retificar: “Na verdade, é tão importante quanto o meu mandato”. Segundo o deputado, o chapéu é um símbolo de sua “vida roceira, de homem da lida e sertanejo”.
Mão Branca é cantor e compositor de forró “autêntico”, como ele mesmo gosta de dizer. Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Xangai e o trovador Elomar são apontados pelo novo deputado como suas grandes referências musicais.
Polêmica na cabeça
Mas o uso da peça estranha ao armário de deputados e senadores tem provocado reações adversas entre os congressistas. Alguns consideram uma questão subjetiva usá-lo ou não. Outros, um modo de “aparecer”. Há ainda quem veja apenas graça em tudo isso.
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), tem ouvido reclamações quanto ao chapéu de Edigar Mão Branca. A principal queixa é de que não cai bem para a imagem do Congresso um parlamentar discursar no plenário trajando uma peça típica do vestuário dos vaqueiros nordestinos.
Preocupado com a possibilidade de ser taxado de preconceituoso, o deputado paulista incumbiu o segundo vice-presidente da Casa, Inocêncio Oliveira (PR-PE), de conversar com o colega baiano. Chinaglia entendeu que, por ser também nordestino e sertanejo, Inocêncio terá mais chances de convencer Mão Branca a tirar o chapéu. Pelo menos no plenário.
Sem chapéu, sem peruca
Mão Branca diz que já ouviu “por alto” que o seu chapéu está incomodando alguns parlamentares. Mas avisa: “Não vou tirar, o povo me elegeu com ele. Vou assim até o final”. O deputado diz ter consultado o regimento da Câmara e constatado que nele não há nada que impeça o uso do adereço.
“Nós temos coisas mais importantes para discutir do que usar um chapéu ou não. Isso é preconceito contra o povo nordestino, os pobres e o povo forrozeiro”. O parlamentar brinca e diz que só tira o chapéu se alguns deputados tirarem também “a peruca”.
De fato, no regimento não há nada sobre o uso de chapéus ou bonés, por exemplo. Consta apenas que o parlamentar precisa estar vestido adequadamente. Mas, no entendimento de parte dos deputados, vestir-se adequadamente significa estar sem o chapéu. Por esse raciocínio, Mão Branca deveria se submeter à regra geral e se vestir como todos.
Bombacha e chapéu viking
A celeuma por conta da vestimenta não chega a ser novidade. O deputado gaúcho Pompeu de Mattos (PDT), por exemplo, foi impedido certa vez de entrar no plenário com a tradicional bombacha, traje típico dos Pampas. O argumento foi de que abrir o precedente para o parlamentar do Rio Grande do Sul poderia ser “perigoso”, um gesto que poderia reacender as discussões separatistas.
O primeiro vice-presidente da Casa, Narcio Rodrigues (PSDB-MG), também considera delicado permitir o uso do chapéu de vaqueiro no plenário, mas ressalta que é preciso tomar cuidado para não violentar o direito do deputado baiano. Segundo Narcio, alguns parlamentares o procuraram para dizer que, com o precedente de Mão Branca, já se consideram no direito de aparecer no plenário com o “boné do time do coração”.
Para o líder do Psol, Chico Alencar (RJ), mais importante do que estar vestido a caráter, é ter caráter. Apesar disso, o deputado vê com ressalva a atitude do colega forrozeiro. “É uma indumentária de exibicionismo. Será que ele usa o tempo todo, para a ir à missa, por exemplo?”
O Congresso em Foco repassou a pergunta de Chico a Mão Branca: “Por que não? A minha religião nada impede de usar”. Indagado sobre qual seria a sua religião, respondeu que “também é católico”. “Mas não vou ao Congresso para falar com Deus”, brinca.
Em algumas rodas de conversa no plenário, o chapéu também virou motivo de piada. Um parlamentar gaúcho, de sobrenome de difícil pronúncia, faz troça: “Sou descendente de nórdicos, mas nem por isso vou para o plenário com um chapéu de viking”. “Imagina se eu chegar aqui com dois chifres na cabeça? Só faltaria uma música do Frank Aguiar”, brinca, em referência ao repertório musical de outro deputado forrozeiro.
Forró federal
Assim como Frank Aguiar (PTB-SP), Edigar Mão Branca é deputado de primeira viagem – aliás, ele nunca ocupou um cargo público antes – e conhecido no mundo do forró. No próximo dia 11, ele vai lançar, em Brasília, o 24º trabalho de sua carreira: o CD “O Forró Federal”.
Nascido há 48 anos em Macarani, no interior baiano, Edigar Evangelista dos Anjos – o apelido Mão Branca é por causa do vitiligo, doença que o fez perder pigmentação na pele das mãos – fez carreira como músico e radialista em Vitória da Conquista. A popularidade no meio o ajudou a receber, em outubro, 23.411 votos. Dez vezes menos votos que o experiente Geddel, o titular do cargo, reeleito com o apoio de 287.393 eleitores.
Entusiasmado com a votação, Mão Branca já pensa em se candidatar à prefeitura da cidade no ano que vem. “Estou achando ótimo”, diz, sobre a experiência na Câmara dos Deputados. “É um momento de aprendizado, uma coisa nova. É preciso ter muita atenção”. O deputado radialista faz parte da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
Sua vontade é encabeçar um debate para melhorar a imagem do parlamentar com a sociedade, e diz que gostaria de chamar a imprensa para a discussão. “Gostaria de ver o Alexandre Garcia [jornalista da Rede Globo] aqui na tribuna. Ele não critica tanto isso aqui, por que não vem debater?”. A propósito, além do chapéu, Mão Branca também chama a atenção pelo toque de seu celular: a temida música do plantão da Globo.
Na página pessoal do deputado e cantor na internet, é possível conhecer mais sobre sua vida e obra, além de ouvir suas músicas e se divertir com o jogo da memória, onde o internauta tem que acertar as combinações das diferentes imagens de Mão Branca. Em todas elas, ele está com o seu inseparável chapéu. Clique aqui para ver.
“O homem da capa preta”
Embora não ofereça risco algum à segurança dos parlamentares, a polêmica em torno do chapéu de Mão Branca remete ao protagonista de um episódio que por pouco não terminou em sangue no Congresso. Nos anos 1960, o então deputado fluminense Tenório Cavalcanti assombrava os colegas por circular com a sua infalível capa preta. O perigo não estava exatamente na roupa, mas no que a vestimenta escondia: “lurdinha”, a temida metralhadora do parlamentar.
Quem experimentou a fúria do “homem da capa preta” foi o então deputado Antonio Carlos Magalhães, numa das cenas mais chocantes da história do Congresso. Em defesa de um amigo – o presidente do Banco Central Clemente Mariani, acusado por Tenório de desviar verbas – ACM atacou verbalmente o “rei da baixada fluminense”, como também era conhecido o colega.
"Vossa excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão." Tenório sacou da arma e esbravejou: "Vai morrer agora mesmo!". "Atira, seu filho da puta!", desafiou. Aparteado pela turma do “deixa disso”, o deputado não atirou. ACM ficou dias sem aparecer no plenário, segundo relato de quem acompanhou o episódio. O “homem da capa preta” acabou perdendo a arma e o mandato, ao ser cassado posteriormente pelos militares. Desde então, o Congresso não foi mais o mesmo.
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