Bezerra Couto
Ele surgiu embalado em impolutos trajes e garrafais manchetes e, com a sapiência de quem anuncia a Verdade, apontou sua ira santa contra os hereges de todos os matizes. Ou melhor, não foram tantos hereges assim. Nessa jihad particular, apenas dois alvos ocuparam seu precioso tempo: o PT, cuja “ética é roubar”, e o presidente Lula, que “é beneficiário” de tudo. Que ou sabia ou “está comendo mosca”. Que permitiu o aparecimento de “um fenômeno novo”: a “corrupção sistêmica”. Que, imagine, admitiu que os fundos de pensão fossem aparelhados politicamente e geridos de modo suspeito. Que deixou o nosso santo homem “indignado” porque tanta corrupção não dá, aí “é demais”. |
|
A palavra divina se fez ecoar sob três sacrossantas formas: uma entrevista à revista IstoÉ, que a transformou em capa, um artigo reproduzido no último domingo por uma legião de jornais brasileiros e uma vivíssima rodada no famoso programa da TV Cultura. O ex-presidente, ex-ministro, ex-senador, ex-acadêmico, ex-autor da frase “esqueçam o que escrevi” (hoje renegada), ex-quase-prefeito, o quase perfeito Fernando Henrique Cardoso foi o personagem da semana. Publicidade
Se tivesse queimado a bandeira da Dinamarca, não teria saído tão chamuscado. Porque, presidente, todo mundo pode falar o que Vossa Santidade disse e muito mais. Mas não o homem que talvez seja, dos brasileiros vivos, o que acumula o maior número de histórias cabeludas não explicadas. Lembremos de algumas, não mais que algumas: 1) Os negócios fechados em seu governo pelos fundos de pensão de estatais, sobretudo na privatização; 2) Um dos capítulos mais misteriosos da república, a negociação da emenda da reeleição; 3) O custo do fisiologismo que encheu a máquina federal de cidadãos, na melhor das hipóteses, bastante suspeitos (em alguns casos, como no INSS, o clientelismo abriu espaço para titulares de folhas corridas dignas de criminosos confessos); 4) A venda da Vale do Rio Doce por uma fração mínima do valor de suas reservas, numa operação financiada pelo BNDES e – de novo – por fundos de pensão; 5) As desventuras empresariais perpetradas pelo filho Paulo. Publicidade
Nem o extremista grupo palestino Hamas seria capaz de colocar tanta gente na torcida adversária. Mesmo bispos que até a véspera blasfemavam esse Lula convertido a dogmas e práticas jamais inscritas no Alcorão petista resolveram meter a lenha na fogueira. Mas para censurar FHC. Caso continue a seguir o atabalhoado roteiro da guerra santa que inventou, Fernando Henrique corre o risco de se tornar o maior cabo eleitoral do sucessor que desanca. Eureca! Vai ver, é isso. Afinal, o honorável mestre, ainda que usando linhas tortas, sempre escreve certo. Você sabe, ele domina territórios quase impenetráveis para mortais comuns, reza na hermética encíclica do sociologuês uspiano… Pois então, amigas e amigos, aí vai o segredo da esfinge: nem Serra nem Alckmin. O candidato de Mr. Cardoso só pode ser Lula. Publicidade |