Não estou usando a palavra “gênio” no sentido genial-literal, mas significando “temperamento, tendência predominante da personalidade, o traço característico do sujeito”, como “os olhos de ressaca de Capitu”. E parece que a marca registrada de Barack Obama é seu atributo de “negociador” (vai ver foi aí que se identificou com Lula, outro “negociador” com anos luz de janela).
Numa análise recente, Immanuel Wallerstein (Esquerda.net) comenta que o presidente Barack Obama tem sofrido pressões consideráveis, principalmente dos conservadores dentro dos Estados Unidos, para assumir uma posição “mais dura” sobre as eleições iranianas. Ao mesmo tempo, ele tem recebido conselhos de Pequim que o alertam para a possibilidade de “deixar o gênio da mobilização popular sair da garrafa, numa região altamente volátil, prestes a explodir.” O mau exemplo de Pequim é a Tailândia. Seja como for, não fica claro o que significa assumir uma posição “mais dura”, mas parece evidente que Obama é publicamente cauteloso. E conciliador. Dois exemplos de tal atitude: em 24 de Julho, a Casa Branca anunciou que reenviaria seu embaixador para a Síria, desfazendo uma decisão tomada há quatro anos por Bush. Pouco antes, em 25 de Junho, Hugo Chávez da Venezuela anunciava que seu país e os Estados Unidos iriam reenviar seus embaixadores – os mesmos que haviam sido declarados persona non grata pela administração Bush.
Aliás, o que terá sentido Obama ao ler as transcrições das gravações do presidente Nixon, tornadas públicas a 23 de Junho? Estas fitas revelam uma conversa de Nixon com o secretário de Estado Henry Kissinger em 20 de Janeiro de 1973, sobre um acordo que os Estados Unidos estavam prestes a concluir com o governo do Vietnã do Norte, algo visto por ambos como um recurso para livrar a cara, permitindo-lhes uma retirada “com honra” da guerra, mesmo sabendo que, depois de uma “pausa decente”, o acordo resultaria numa vitória militar do Viet Minh. Havia resistências ao acordo, por motivos óbvios, de Van Thieu do Vietnã do Sul. A discussão Nixon-Kissinger era sobre como lidar com este problema. Kissinger diz que a questão era “se Thieu vai deixar-nos assinar o acordo”. Nixon: “Deixar-nos… ha, ha”. E manda Kissinger dizer a Thieu que os EUA “cortariam as verbas de assistência”, caso ele se recusasse a assinar. Nixon: “Não sei se a ameaça vai muito longe ou não, mas eu não faria nada… cortaria a cabeça dele, se necessário”.
O fato é que Obama sabe perfeitamente que já não é realmente possível para o presidente dos Estados Unidos cortar a cabeça de ninguém, inimigo ou aliado, que o desafie.
A verdade é que Obama não tem muita escolha. Wallerstein considera objetivamente que “não existem formas práticas que permitam a Obama “cortar a cabeça” de Ahmadinejad, Chávez, Assad, Castro ou Kim Jong-Il. E não são só estas as cabeças que ele não pode cortar. Não pode afastar o primeiro-ministro de Israel, Nethanyau, do cargo. Também não pode fazer o Hamas desaparecer de Gaza. Sarkozy, Merkel, Putin, e Hu Jintao parecem todos bastante seguros nas suas posições. O que fazer então?”
Refugiar-se na frase do presidente Kennedy, que Obama já citou algumas vezes: “Não devemos nunca negociar por medo, mas nunca devemos ter medo de negociar.”
Talvez o “gênio moderador” de Obama tenha que passar por um duro teste a fim de impedir que o “gênio da mobilização popular” saia da garrafa, uma vez que, num mundo altamente volátil, nenhum governo pode estar seguro do que vai acontecer.
Em tempo: saiu ontem na FSP o resultado duma pesquisa realizada nos EUA anunciando uma queda de 7% – de 57% para 50% – na aprovação de Obama. Contudo é preciso ler os números com olhar armado, driblando as “costuras espertas” duma edição pra lá de tendenciosa, como soe ocorrer. Assim é que nos dois tópicos abordados por esta coluna (política externa e oposição dos neocons), os índices continuam favorecendo Obama: para a política externa, a aprovação do presidente é de 52% contra 38%; por outro lado, 59% não concordam como se conduz a oposição republicana, enquanto 47% preferem confiar em Obama quanto às questões da política interna.