Por mais que nosso olhar para a conjuntura política atual tenha foco e se realize através de uma lente macro, é essencial trocá-la por uma grande angular e a projetarmos sobre a realidade com uma preocupação histórica. Há muito tempo não somos uma ilha, um Estado-nação isolado. A partir do século 16 este imenso território foi integrado aos circuitos mundiais de comércio, produção e extração de riquezas, com a colonização portuguesa que durou 322 anos, passando depois por 67 anos de Império até chegarmos à República, de 1889, que completou 126 anos em 15 de novembro passado.
Nossa inserção no mundo da economia, dos interesses geopolíticos e dos negócios, não se alterou muito em função da trajetória da colônia até a república. Mudamos a forma dessa inserção, mas nem tanto os seus perfis e o seu peso. Antes, Inglaterra, Portugal e Espanha repartiam o mundo entre si.
Hoje, gigantescas corporações empresariais ancoradas num seleto grupo de países, ao lado de fundos financeiros, já quase cinco vezes maiores que a esfera produtiva mundial, redesenham as relações centro-periferia, “metrópoles-colônias”, atuando tanto pela extração de riquezas minerais e agrícolas quanto em transações com moedas, papéis públicos, privados e novos produtos financeiros. É esse o centro da disputa mundial e o motor da acumulação do capitalismo hoje.
É nessa estrutura que os grupos dominantes internacionais querem encaixar os países da periferia. Nisso, encontram fortes aliados internos em cada país, atacando o patrimônio das nações (empresas públicas, reservas minerais, orçamentos) e seu mundo econômico interno com soluções para a inflação, as áreas tributária e fiscal, de modo a retirarem disso a maior riqueza possível. Para isso financiam partidos políticos, mídias e campanhas, elegem governos e Parlamentos, forçam a barra para que seus prepostos assumam postos chaves nas administrações, ainda que de governos que não apoiaram, lugares a partir dos quais possam decidir os rumos dessas nações, suas economias e finanças públicas.
Em nome do interesse geral (combate à inflação, por exemplo), patrocinam seus interesses particulares (ganhar com a dívida pública e a elevação das taxas de juros contra a inflação). Em nome das “reformas do Estado” e de conceitos pomposos como “eficiência” e “eficácia”, disseminam conceitos e obtêm consensos para vender o patrimônio do Estado, construído com recursos públicos, e abrir a exploração de recursos minerais do país a “investidores” estrangeiros – na verdade, eles próprios. Nisso, mais uma vez, não faltam aliados internos que se associam a esses interesses.
FHC abriu a exploração do setor petróleo às empresas estrangeiras, vendeu a mineradora Vale do Rio Doce a preço de banana. Os governos pós-FHC seguiram com a lógica anti-inflacionária, com diferenças de calibre, adotando abusivas taxas de juros que causaram a elevação da dívida pública, para depois buscar sua redução com cortes de gastos sociais e de infraestrutura para atender aos credores financeiros – desatendendo, porém, aos credores sociais reconhecidos até pela Constituição Federal.
A tentativa de impeachment no atual momento, por isso, associa os interesses internacionais a FHC, PSDB, PMDB E DEM, aos interesses dos que querem mudar o pré-sal (projeto do senador José Serra, PSDB-SP), aos que querem seguir com o tripé da economia conservadora: metas anuais de inflação (inflação apenas como fenômeno monetário), câmbio flutuante e superávit primário pró-renda de juros aos capitais aplicados em papéis públicos.
Trata-se de uma estratégia: usar os escândalos de corrupção atualmente sob investigação, a inflação que sobe (sem que se explique isso), o déficit público e tudo que dele deriva na gestão das finanças públicas (“pedaladas”, decretos orçamentários etc.) para tomar o país de assalto sem eleições e assim alcançarem o que não conseguiram em 2002, 2006, 2010 e 2014. E aí poderem implantar a nefasta aliança dos interesses internacionais com os mercadores internos, brasileiros anti-pátria, para usurparem ainda mais as riquezas de nosso país. Isso não isenta a atual aliança de governo de responsabilidades com a condução da economia, do patrimônio, das finanças e dos investimentos.
É por isso que afirmamos: o primeiro passo na atual conjuntura é derrotar o impeachment, o segundo é mudar a política econômica e o papel do Estado como ator público de fomento ao investimento e ao desenvolvimento com soberania, ética e cidadania.